Aquilo que estou a escrever poderá parecer uma palestra de padre, mas, no nosso dia a dia, há acontecimentos que são relatados, comentados, ditos e reditos pela comunicação social, e é necessário não ter medo de dar a sua opinião para podermos enquadrá-los melhor.

Após o terramoto que abalou a igreja sobre os abusos sexuais, é tempo de tomar consciência do problema e de nos interrogarmos sobre o olhar com o qual a mesma igreja observa a sexualidade. Para lá dos crimes cometidos pelos prevaricadores, talvez seja tempo de afirmar que a igreja deve mudar a compreensão e também a doutrina sobre a sexualidade.
As ciências humanas ensinaram-nos que a sexualidade humana faz parte de uma cultura que gera sistematicamente crenças e práticas, ao mesmo tempo que produz laços sociais entre as pessoas.
Na tradição cristã, a sexualidade só pode existir no casamento católico, à semelhança da união que existe entre Cristo e a sua igreja. Mas, sendo assim, que poderemos pensar acerca das exigências do celibato dos padres e da insistência sobre a castidade, a valorização da virgindade de Maria e a vontade de controlar a sexualidade do casal? Não haverá aqui o recalcamento e a diabolização da sexualidade que são também uma verdadeira recusa de aceitar a sociedade na qual vivemos actualmente?
A igreja poderá continuar a viver ignorando os avanços da medicina que reconfigurou a relação das mulheres com o seu próprio corpo, com a fecundidade, com a procriação e mesmo com os homens? Tudo isto mudou os nossos comportamentos e talvez também deveria ter acontecido o mesmo na doutrina da igreja.
Os cristãos poderão perguntar qual é a mensagem do Evangelho a anunciar neste campo, sobretudo numa época sinodal, em que se pede a opinião dos crentes. E aqui sente-se logo o peso da igreja onde os cristãos têm dificuldade em emitir uma opinião. Pessoalmente, respeito profundamente a tradição, mas não podemos confundir a mensagem de Cristo com as convicções cristãs que se forjaram a partir de representações culturais numa época que já não é a nossa. É necessário regressar à mensagem do evangelho, fonte de vida e de renovação, ultrapassar a descriminação sexual e sair do ambiente masculino em que se encontra a igreja para seguir a visão de São Paulo: não á judeu nem grego, nem escravo nem homem livre, não há homem nem mulher; todos sois um só em Jesus Cristo.
A Bíblia apresenta-nos, no livro da Génese, a história de Caim e de Abel, mas a mensagem que nos é transmitida é a do homem dever controlar a sua própria violência e não poder dominar o seu semelhante. Para o cristão, a sexualidade, base da convivência social entre as pessoas, pressupõe o convite explicito de Cristo: amai-vos uns aos outros como eu vos amei, sempre no respeito das especificidades de cada um e da alteridade.
Na última ceia, Jesus colocou um gesto, diríamos muito feminino, que é o de lavar os pés aos seus discípulos, um gesto de amor para com os seres humanos, o de serviço e não o de ser servido. Poder-se-á pensar que este gesto era apenas destinado à metade masculina da humanidade?
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«Pedaços de Fronteira», opinião de Joaquim Tenreira Martins
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Março de 2013.)
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