A Zabel da Augusta era, toda ela, desembaraços. Alta, de robustez exposta, exibia tez rude e morena. Pavoneava-se em movimentos rápidos e quase masculinos. Nunca casou. Sempre se amanhou sozinha.

Trabalhava de sol a sol. Executava, mediante paga aprazada, qualquer tipo de trabalho. Tanto lavava roupas ou esfregava soalhos como aprimorava, logo que a primavera raiasse, qualquer tarefa campestre. Da sementeira do feijão à plantação da batata rodava de patrão em patrão sem ditar o mais pequeno senão.
Ora, aquela tarde quente de maio, tinha-a, ela, destinado ao seu próprio plantio. No quintal que, por sinal, era de paredes meias com a rua principal, tratava de plantar uma leira de cebolas quando, de repente, lhe pareceu ouvir ao longe, a corneta do sardinheiro. Apurou melhor o ouvido e pode escutar, com absoluta clareza, a apelativa buzina bem como as insistentes rogatórias do mercador:
– É barata mulheres! É boa e barata!
A Zabel era louca por sardinhas. Apenas o preço a continha. Não resistiu, portanto, aos brados do sardinheiro e desatou a correr horta acima. Sem paciência nem tempo para chegar ao portão, encurtou caminho e saltou o muro.
Chegada à beira do ti Aníbal sardinheiro transbordava de sofreguidão. Dir-se-ia que, ela sozinha, seria capaz de adquirir as três caixas encordoadas no lombo do jumento.
– Àh Ti Aníbal, pare aí o burro e cale a corneta. A como é a sardinha?
– A cinco tostões a dúzia – informou o homem.
– Bolas, que exagero! Mal se lhe pode chegar. Ora deixe-me cá ver se é verdade que é boa.
Daí, meteu a mão à caixa e remexeu tudo. Não retirando uma sardinha que fosse, continuou em mexedelas sucessivas. O Aníbal, já cansado do sui generis procedimento, resolveu intervir:
– Olhe lá, mulher dum raio. Para comprar nada, precisa de revirar tudo?
Resposta veemente da Zabel:
– As sardinhas estão mais moles que um figo. Nem são boas nem são baratas conforme vossemecê apregoa.
Interpõe o Aníbal, vermelho de raiva:
– Querem ver esta? Foi vossemecê que as amoleceu sua desatinada. Tire as mãos daí e ponha-se a andar. Vá comer as batatas sem nada.
Mas a Zabel nunca foi de se ficar e rematou:
– Olha lá! Isso era o que vossemecê queria. Da rua ninguém me poe fora. Muito menos vossemecê que só cá vem de vez em quando. E, das sardinhas, se não levo o sabor, levo o cheiro para apeguilhar com as batatas. Passe bem e vá vendê-las a quem lhas quiser comprar.
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«Terras do Jarmelo», crónica de Fernando Capelo
(Cronista no Capeia Arraiana desde Maio de 2011.)
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Emchia a barriga com batatas com as mãos a cheirar a sardinha.
Consta-me que havia familias onde uma sardinha dava para dois e o que ficava com a cabeça tinha direito ao rabo na vez seguinte. Enfim, tempos de miséria que , hoje, felizmente são apenas recordação.
Um abraço amigo Nabais.
Amigo Capelo :
Não era burra essa tal Zabel…Não tinha nem dois tostões para comprar sardinhas, mas encher a barriga com o cheiro das sardinhas cruas!!!