Há quem diga que «Três é a conta que Deus fez!». O meu cachimbo deu-me um sinal de que tanta conversa com um Rei, algo de extraordinário tinha de acontecer.
De facto, o Chefe do Governo aparece na residência do Rei eram quatro da madrugada. A conversa era urgente e privada. Na verdade, em algumas casas reais os telefones nunca são usados. Na verdade tratam-se de assuntos de Estado e todos os aspectos de segurança têm de ser equacionados.
Em primeiro lugar, o Chefe do Governo não queria que se soubesse do encontro. E em segundo tinha de ser importante para os interesses do País.
Mesmo sendo uma hora imprópria, tanto para um como para o outro, têm de estar apresentáveis, adequadamente vestidos, barbeados, penteados e os tempos de espera não podem ser são assim tão longos. Procedimentos que fazem parte da preparação de quem exerce este tipo de funções.
Encontram-se na sala de audiências, pedindo o Chefe de Governo desculpa pelo incomodo, mas era fundamental o monarca tomar conhecimento da informação.
Ainda nem tinha pegado no cachimbo quando é surpreendido com o assunto. Os serviços de segurança tinham a certeza que estava em curso uma operação para derrubar a monarquia.
A calma normalmente preenche estes ambientes mais tensos e o cachimbo lá se acende saindo o fumo como que o olhar do monarca encontrasse o que dizer.
«Aconteça o que acontecer não tenciono abandonar o meu País!»
A resposta era pensada e deixou o Chefe do Governo numa situação de passar a ser a figura central da resolução da crise.
«O País sempre foi uma monarquia, fico com a ideia que Sua Majestade não parece preocupado. Se me permite, até parece a sua sugestão para o que acontecer.»
Volta o silêncio e o fumo a circular com o vento frio que entra pelas janelas de madeira.
«Não pretendo mais banhos de sangue. Muito menos por minha causa. É natural que em democracia haja o hábito do povo escolher pelo voto os símbolos do regime. Por isso deixo nas suas mãos encontrar uma solução que evite violência.»
Na verdade, o Chefe do Governo nunca esperou por uma decisão destas. Sendo o executivo detentor da informação pode gerir a crise da melhor forma.
«Acha que há contestação ao regime ser monárquico? No seu lugar deveria convocar uma audiência com os líderes políticos, e apresentar-lhes o problema. Tem o meu apoio. O importante é a segurança do Estado!»
As cinzas escoam para o cinzeiro. Mas volta a colocar novo tabaco e acender tranquilamente mais uma cachimbada.
O monarca, de facto, queria antecipar o golpe e que o regime controlasse antecipadamente a rebelião, evitando mortes de inocentes.
O Chefe do Governo reconheceu que há facções nos diversos partidos que preferiam uma república. Só que nunca imaginou que alguém pudesse seguir esta via.
«Eu não conheço outra. Como se derruba um regime pacificamente se há uma constituição que define as regras de funcionamento do Estado?»
Na verdade, as monarquias são aparentemente consensuais na estabilidade social e política. E qualquer político tem receio de pôr em causa o sistema, quando sabe que partidos contra a monarquia têm resultados eleitorais desastrosos. Daí alguém procurar o recurso à força tendo obviamente apoio militar.
O tabaco apagou-se novamente só que desta vez o monarca pousou o cachimbo no suporte.
O Chefe do Governo levantou-se, mas antes da despedida o monarca ainda proferiu umas palavras:
«Pensem num referendo. Os partidos que trabalhem conjuntamente evitando o espetáculo. Conheço bem os nossos políticos e acredito que conseguem desarmar esta suposta rebelião usando o parlamento como mote para os próximos passos. O povo é que deve decidir. Não com quem bem entende!»
Londres, 30 de Abril de 2022
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«No trilho das minhas memórias», por António José Alçada
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Junho de 2017)
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