Quando se analisa a situação económica e social do país, é indispensável conhecer os pontos de vista, não apenas dos atores políticos e dos especialistas na matéria, mas também e antes de tudo, dos parceiros sociais. Ocupando o setor privado um lugar esmagadoramente maioritário na vida económico-social do país, desta feita vamos dar a palavra à Associação Empresarial de Portugal (AEP), associação multissetorial de âmbito nacional, sediada no Porto, que visa promover e defender as atividades empresarial e associativa.
Do Pré ao Pós Pandemia – os novos desafios
Num estudo divulgado em 3 de Maio, a AEP-Associação Empresarial de Portugal lamenta o facto de Portugal estar hoje em 21.º lugar no ranking europeu do PIB per capita em paridades de poder de compra (PPC). Mas vai mais longe… «Num cenário sem alteração de políticas, e assumindo algumas hipóteses simplificativas», Portugal corre o risco de «passar do sexto mais baixo PIB per capita PPC em 2023 para o quarto pior em 2030. A prazo, Portugal arrisca-se mesmo a cair para terceiro mais pobre da União Europeia, dado o seu baixo nível de produtividade» estima a AEP.
Neste estudo intitulado «Do Pré ao Pós Pandemia – Os novos desafios», a AEP chama a atenção para o agravamento gradual da divergência do país face à União Europeia no que toca ao PIB per capita. Nas primeiras décadas deste milénio, Portugal foi sendo ultrapassado pela República Checa, Eslovénia, Malta, Lituânia ou Estónia. Em 2021, voltou a ser ultrapassado pela Hungria e pela Polónia.
Agora, prevê a AEP, «Portugal corre o risco de se tornar o sexto país mais pobre da UE até 2023 se não elevar a produtividade e o crescimento, aproveitando ao máximo o afluxo de fundos europeus». Com base nas previsões de Outono da Comissão Europeia, a AEP alerta que o país em breve pode ser ultrapassado pela Roménia e cair em breve para sexto país mais pobre entre os 27.
«Este cenário concretizar-se-á se Portugal não conseguir elevar rapidamente o ritmo de crescimento do PIB face aos parceiros europeus (capacidade de geração de riqueza), para o que será crucial aumentar a produtividade.
Esse deveria ser o grande objetivo do elevado afluxo de fundos europeus colocados à disposição do país, através do PRR e do “Portugal 2030”, operando a transformação necessária para potenciar a criação de riqueza e retomar o processo de convergência com o nível de vida médio europeu e, com maior ambição, com o nível de vida dos países europeus mais desenvolvidos», lê-se no estudo.
«A forte orientação dos fundos europeus para as empresas e a sua competitividade», defende o presidente da AEP, Luís Miguel Ribeiro, logo na introdução do estudo «funciona, dentro da estratégia delineada, como um dos aceleradores da transformação económica e social necessária para atingir os desejados níveis superiores de riqueza de uma forma sustentada».
Para tanto, a Associação Empresarial de Portugal (AEP) pede ao governo que «canalize um mínimo de 67% dos fundos comunitários do “Portugal 2030” para as empresas de modo a contrabalançar os dois terços alocados pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) ao sector público».
Eventuais reprogramações do PRR também deverão reverter integralmente (100%) a favor das empresas. É o caso dos investimentos do Estado que se encontram «em risco claro de não execução» devido à ineficiência da máquina administrativa, aos atrasos provocados pelas últimas eleições legislativas ou ao aumento expressivo dos custos da construção.
Esta reorientação dos fundos europeus em prol da reindustrialização e da competitividade do país é uma das principais propostas do estudo divulgado pela AEP. A par da insistência na redução do IRC para 17% e outras medidas para desbloquear o potencial de crescimento da produtividade e do emprego em Portugal.
Na data em que comemorou 173 anos, a associação empresarial reuniu-se, a 3 de Maio, em Leça da Palmeira, para propor ao governo representado pelo ministro da Economia António Costa Silva, uma «estratégia clara e ambiciosa» capaz de inverter o caminho de empobrecimento relativo face aos outros países da União Europeia.
«O grande desígnio estratégico para a década é recolocar Portugal no top 15 dos países mais ricos da UE em 2030, em termos de nível de vida», lê-se no estudo da AEP. «O objetivo intermédio que permite alcançar esse desígnio estratégico é um crescimento económico de, pelo menos, 5,2% ao ano em termos reais, de 2023 a 2030, o que traduz uma forte ampliação do nosso potencial de crescimento, praticamente em linha com a Irlanda, o país mais dinâmico da UE». Mas «esse forte crescimento económico proposto como objetivo intermédio», acrescenta o estudo, «só poderá ser alcançado se resultar de um conjunto alargado de medidas (ver infra) em matéria de um significativo aumento da produtividade, da competitividade e do nivel do emprego», propõe a associação empresarial.
Como acima se disse, o estudo da AEP refere que Portugal «está hoje em 21.º lugar no ranking europeu do PIB per capita em paridades de poder de compra (PPC)». E no final da década? pergunta a AEP. «Num cenário sem alteração de políticas, e assumindo algumas hipóteses simplificativas, Portugal passaria do sexto mais baixo PIB per capita PPC em 2023 para o quarto pior em 2030. A prazo, arrisca mesmo cair para terceiro mais pobre da UE dado seu baixo nível de produtividade.»
Mas a queda do país pode não ficar por aqui. A AEP alerta ainda que «a produtividade pode tornar-se a terceira pior da União Europeia até 2023» – apenas acima da Grécia e da Bulgária. E aponta para a possibilidade de uma deterioração semelhante do nível de vida a prazo. De facto, «dada a forte ligação entre a produtividade e o PIB per capita, este é também o ranking previsível para o nível de vida após alguns anos», lê-se no estudo da AEP.
«Se nada mudar – isto é, se os fundos europeus do PRR e do Portugal 2030 não operarem uma verdadeira transformação estrutural potenciadora da produtividade e do nível de vida – o que deverá passar pelo foco no apoio ao setor empresarial privado, que é quem mais investe, exporta e cria emprego e riqueza –, após 2023 Portugal poderá tornar-se não apenas um dos três países menos produtivos da União, mas também um dos três mais pobres.»
Medidas propostas pela AEP
O estudo da AEP propõe as seguintes medidas para corrigir as debilidades estruturais, eliminar os custos de contexto e acelerar o crescimento económico sustentável do país:
«1. Melhorar a composição do crescimento, reforçando o peso do investimento – incluindo em inovação – e das exportações no PIB sem aumentar o peso das importações, criando uma maior capacidade de geração de riqueza e possibilitando a sua distribuição de forma mais sustentada e com maior equidade intergeracional. Tal implica metas mais ambiciosas para 2030, por exemplo, de 25% para o peso do investimento no PIB e de 28% para o peso da indústria no valor acrescentado bruto (VAB). O objetivo deve ser subir o peso das exportações no PIB para 63% (10 pontos percentuais acima da meta oficial) para inverter o saldo negativo da balança de bens e serviços, gerar excedentes e anular a dívida externa líquida (meta de 0% do PIB).
2. Qualificar e requalificar as pessoas, assegurarando a qualidade dos recursos humanos para que as empresas e o país possam enfrentar com confiança os desafios societais e da produtividade. Uma das propostas é, por exemplo, lançar um programa nacional, em larga escala, de (re)qualificação de ativos, tendo como destinatários trabalhadores e empregadores; jovens e gerações mais antigas; imigrantes e refugiados».
3. «Assegurar disponibilidade de mão-de-obra a curto, médio e longo prazos – condição necessária para desbloquear o potencial de expansão da atividade e do emprego – colocando à disposição das empresas, nos vários setores, mão-de-obra na quantidade e com as caraterísticas necessárias para o seu crescimento, através da retenção e atração de pessoas para trabalhar e viver em Portugal e da regeneração populacional.
Entre as propostas constam, além disso, a redução das contribuições sociais dos empregadores na contratação de pessoas altamente qualificadas – nomeadamente doutorados – em áreas críticas para as empresas, reduzindo o seu custo e potenciando a sua manutenção em Portugal. Por outro lado, o estudo propõe a redução da carga fiscal sobre o trabalho, em particular sobre jovens qualificados e (de uma forma geral) salários médios e altos, permitindo aumentar o salário líquido dos mais qualificados e produtivos.
O estudo propõe, por outra via, um tratamento fiscal mais favorável de prémios de produtividade, contratos por objetivos, salários variáveis e salários de eficiência, bem como o estabelecimento na Lei de uma ligação entre salários e qualificações – desde que refletidas em maior produtividade –, tanto no setor público como no setor privado.»
4. Dinâmica empresarial com significativos ganhos de escala, aumentando o número e a dimensão média das empresas, a cooperação entre empresas e a taxa de sobrevivência. Uma das propostas é, por exemplo, o reforço dos benefícios fiscais e financeiros para aumento de escala em função da intensidade e complexidade da operação – seja projetos conjuntos, «joint ventures», agrupamentos complementares de empresas, fusão ou concentração – potenciando também o aumento da proporção de empresas envolvidas em projetos de cooperação.
5. Eliminar os custos de contexto, tendo como objetivos: menos e melhor Estado, infraestruturas de conectividade potenciadoras da internacionalização; acelerar a transição digital e reforçar a competitividade e a atratividade.
A meta para 2030 para o rácio de dívida pública no PIB deve ser um valor máximo de 90%, próximo do valor em 2009, antes do último pedido de ajuda externa à União Europeia em 2011. Tal implicará uma estratégia clara e credível de consolidação orçamental a médio prazo, que melhore os serviços públicos enquanto reduz o peso do Estado na economia e da carga fiscal sobre as empresas e as famílias. Neste domínio, a AEP defende uma diminuição da taxa normal de IRC até 17%, a eliminação das taxas de derrama, a redução das tributações autónomas; a redução das taxas de IRS, em particular sobre os jovens qualificados; a redução das contribuições sociais dos empregadores, por exemplo.
6. Além do capital e trabalho, assegurar outros recursos necessários ao crescimento (energia, água, matérias-primas) a preços comportáveis, bem como a proteção do ambiente, com segurança climática e qualidade de vida, salvaguardando a competitividade.
Além de acelerar o uso de energias renováveis e da economia circular, uma das propostas é garantir que a nova Lei de Bases do Clima não coloca novos custos de contexto para as empresas, nomeadamente obrigações declarativas difíceis e custosas de cumprir, sobretudo para as PME, e nova fiscalidade verde injustificada ou desadequada. Aliás, deve assegurar-se que a reforma da fiscalidade verde e a implementação da tecnologia do hidrogénio verde são executadas com o grau de gradualismo mais adequado para preservar a competitividade das empresas e gerar novas áreas de “negócio verde”, mas também para deixar em aberto a exploração de outras tecnologias promissoras de geração de energia sem emissões de carbono.
7. Reindustrialização, permitindo um maior equilíbrio na estrutura económica e nas contas externas, com menos dependência do turismo, capacitando a indústria enquanto motor da economia, com elevada capacidade de arrastamento de outros setores.
As metas para 2030 devem ser elevar para 28% o peso da indústria no valor acrescentado bruto (VAB) nos setores de atividade económica e para 12% o peso da indústria transformadora na posição de investimento direto do exterior (IDE).
8. Orientação dos fundos europeus em prol da competitividade e da sustentabilidade. Tal passa pela execução rápida, transparente e eficaz dos fundos europeus; pelo impulso do “Portugal 2030” aos transacionáveis, à escala, à inovação, valor acrescentado nacional e à circularidade; pela reorientação do PRR para as empresas; e pela desburocratização dos dois sistemas. As metas são 67% (mínimo) de verbas do “Portugal 2030” para as empresas e 100% de eventuais reprogramações de subvenções a favor das empresas.»
No estudo da AEP, esclarece-se que «o grau de ambição dos objetivos e das medidas propostas teve como base um exercício de benchmarking (análise comparativa) com os países europeus mais dinâmicos e de dimensão próxima, bem como a evolução histórica das variáveis subjacentes em Portugal».
:: ::
«Portugal e o Futuro», opinião de Aurélio Crespo
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Julho de 2020.)
:: ::
Leave a Reply