O senhor João trabalhava na fábrica de fiação desde os oito anos de idade. Nunca tivera outro ofício.

Vinha tão cabisbaixo o meu vizinho. Pela primeira vez passou por mim, sem sequer me ter visto. Ele, que sempre me mimava com um terno piropo, naquele dia nem um sorriso me fez.
– Bom dia nos dê Deus! – disse-lhe eu, em tom de pergunta.
Respondeu com um olá distante, como se não me conhecesse. Seguiu de passo pesado e vagaroso e algo lhe escorria pelo rosto! Era uma lágrima, tive a certeza.
A minha vizinha já assomara à porta e, também ela, quedara preocupada e numa grande ansiedade perguntou-lhe:
– Ai Homem!, o que tens tu?!
Os filhos que vinham sempre a esperá-lo, agarrando-se-lhe às pernas e estendendo os bracinhos para o abraçar, ficaram a olhá-lo sem perceberem porque o pai não se baixava para os acolher.
Desatei a correr e fui avisar meus pais. Eles apressaram-se a vir saber o que se passava e se poderiam ajudar.
O senhor João trabalhava na fábrica de fiação desde os oito anos de idade. Nunca tivera outro ofício. Quando, em 1952, ardera a fábrica onde aprendera a arte, teve oferta de trabalho numa outra onde havia máquinas que laboravam dia e noite, em três turnos diários. E, desde então, que não tinha mais que a tarde de sábado e o domingo para descansar, fazer e tratar do hortejo, rachar alguma lenha para manter a casa quente ao longo do ano…
De facto, já tinha reparado que nos últimos meses só trabalhava durante o dia. E, pensando bem, já não ia todos os dias. Tinha estado com os filhos e comigo durante alguns dias da semana, sentados numa manta de trapos, lá na rua, a debulhar feijão e a degranar milho. Engraçado, só então me lembrara que, havia muito, não cantava para nós aquelas cantiguinhas lindas, em voz de tenor, que me deixavam fascinada! Cantava tão bem!…
Enquanto eu matutava na tristeza do senhor João, já meus pais vinham de olhos chorosos para casa, conversando baixinho… «Que vai ser desta família!… Com oito filhos pequeninos!»…
– Mãezinha, o senhor João vai morrer?! Está doente?
– Não, minha filha! A fábrica fechou. O Senhor João não tem trabalho e, as outras fábricas, também não devem ter muito tempo de laboração. Já fechou a da Cabouqueira, a dos Moinhos e agora a da Fonte Santa!…
O silêncio era pesado, como se fizesse falta encontrar uma solução imediata para a pobreza não se tornar miséria.
A casa dos vizinhos parecia ter adormecido, nem os catraios se ouviam rir ou chorar. Eu queria saltar à corda e jogar à macaca, mas ninguém aparecia na rua.
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«Gentes e lugares do meu antanho», crónica de Georgina Ferro
(Cronista no Capeia Arraiana desde Novembro de 2020.)
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