Aos primeiros sinais de temporal, vinha ao peitoril da janela. Encostava-lhe o queixo de criança e deixava-me ficar, num estar vestido de sonho, gerindo a expectativa de poder ver o vento.

Ideava as lufadas como se elas fossem rasgos de malvadez de um corpulento e irreverente garotão, habitante do Inverno. Surgia ele, velhaco, com monólogos surdos antes das traquinices que praticava em ímpetos reiterados. Investia, não apenas contra as casas mas também varria ruas, torcia árvores, partia o que podia, remetia pássaros aos mais improváveis abrigos, roubava chapéus aos homens, levantava a saia às mulheres, arrancava telhas, puxava chuvas e, por vezes, distribuía a brancura da neve até encher todos os exteriores.
Findo o vendaval e apesar do ar titânico do seu instigador, este afastava-se. Quiçá envergonhado, ia esconder-se atrás dos montes deixando a nu todas as consequências.
Sobejavam ramos partidos, telhados esfrangalhados, águas lodas em charcos crescidos, ribeiras e regueiras engrossadas e, de quando em vez, sobrava neve, matéria prima essencial à feitura de bonecos com nariz de cenoura e braços de pau. Regressavam, no final, os pássaros em voos medrosos e indagadores.
Com a chegada da primavera, do parapeito da minha janela eu observava coisas diferentes. Assistia à propagação de um sol mansinho de rosto dourado, silencioso e constante entregue a um céu de azul/claro. O astro rei piscava o olho às nuvens frágeis e confidenciava aos pássaros:
– Chega de ventanias. Agora sou eu a reger.
Aos poucos reforçavam-se os raios solares que enchiam e faziam brilhar o horizonte. Sobre os chãos surgiam as verduras e plantas renovadas antes das flores e, estas, antes dos frutos. Os pássaros enchiam os dias de eloquentes e harmoniosos hinos. Os camponeses amanhavam livremente as suas terras banhadas de um calor crescente que só viria a esmorecer no final do estio com o pronuncio das brisas outonais.
lá para meados de outubro, o vento retomava os seus velhos apetites iniciando a limpeza das folhas secas antes de seguir caminhos estouvados atabalhoando, novamente, o inverno.
Hoje, na rara oportunidade de voltar a espreitar pela minha velha janela, recordo o vento se for verão, lembro o sol se for inverno e tenho saudades dois.
:: ::
«Terras do Jarmelo», crónica de Fernando Capelo
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Maio de 2011.)
:: ::
Gosto muito de ler seus contos! Parabéns.