Perante as imagens de horror da invasão russa na Ucrânia, erguem-se nos quatro cantos do mundo, as vozes de milhões de mulheres e de homens que a condenam em nome da defesa do direito internacional, dos direitos fundamentais da pessoa humana, da liberdade e dos valores democráticos.

É o caso do intelectual francês Bernard-Henri Lévy, do ator e cineasta americano Sean Penn, do escritor anglo-americano Salman Rushdie e do músico britânico Sting, que subscreveram e divulgaram em 14 de Março passado um texto conjunto em que defendem que os países do Ocidente têm o dever político e moral de se manterem, mais do que nunca, ao lado da Ucrânia.
Antes de transcrever esse texto, deixo algumas notas biográficas sobre cada um dos seus signatários…

– Bernard-Henri Lévy – Além de escritor, B.H.Lévy tem exercido ao longo da sua vida outras funções: foi professor, diretor de teatro, cineasta, empresário, cronista e editorialista de revistas e de jornais.
Nasceu em 1948 em Béni Saf, na Argélia, de uma família de judeus sefarditas. Poucos meses após seu nascimento, a família voltou para França, país onde o seu pai, André Lévy, fundou uma empresa de extração de madeira e fez fortuna neste ramo. B. H. Lévy estudou no liceu Louis-le-Grand, em Paris e, em 1968, entrou na Escola Normal Superior onde em 1971 se graduou em Filosofia e onde foi mais tarde professo. Entre os seus mestres, encontram-se intelectuais e filósofos franceses como Jacques Derrida e Louis Althusser. B.H.Lévy foi também professor na Universidade de Estrasburgo, onde lecionou o curso de Epistemologia.
A partir dos anos 1970, e sobretudo após a publicação do seu primeiro ensaio «A barbárie com rosto humano» B.H.Lévy tornou-se um dos líderes e a figura emblemática do movimento denominado «Novos Filósofos», constituído por filósofos e intelectuais «engagés» provenientes uma corrente filosófica, mediática e editorial representada por autores que tinham estado ligados à esquerda maoísta francesa mas que, entretanto, se afastaram das teses tradicionais da extrema esquerda.
Bernard-Henri Lévy tornou-se uma personalidade muito conhecida e polémica na cena política, filosófica, mediática e literária francesa e internacional, em razão da sua implicação em numerosos assuntos políticos e diplomáticos. Leitor de Sartre e de Husserl, B.H.Lévy é autor de mumerosas obras sobre o judaismo, a identidade, o sionismo, os integrismos religiosos, a arte, o antisemitismo, o «espírito beaudelairiano», a guerra da Líbia, as guerras da Jugoslávia e, agora, a invasão russa da Ucrânia.
De entre as suas obras literárias, destacam-se ainda «O Testamento de Deus», «Impressões da Ásia», «Os últimos dias de Charles Baudelaire», «O juízo final», «Homens e mulheres», «O Lírio e a Cinza», «O século de Sartre», «Reflexões sobre a Guerra, o Mal e o Fim da História», «Relatório ao Presidente da República e ao Primeiro-ministro sobre a participação da França à reconstrução do Afeganistão», «American Vertigo», «Questões de princípio: aqui e algures» e «Inimigos públicos». Também foi autor de peças de teatro e de dois romances, para os quais recebeu os prémios «Médicis» e «Interallié» e desde 1990, dirige a revista «La Règle du jeu» de que é fundador.

– Sean Penn – Nasceu em 1960 e é ator, produtor, diretor de cinema e roteirista norte-americano. Por duas vezes foi vencedor do Oscar de Melhor Ator: em 2004 pela sua atuação no filme «Mystic River» e em 2009 pelo seu trabalho em «Milk». Além disso, foi premiado no Festival de Berlim (1996), no Festival de Cannes (1997), no Festival de Veneza (1998 e 2003), e foi galardoado com o Prémio César, pelo conjunto da sua obra (2015).
Sean Penn tem, por outro lado, um histórico de participação em atividades políticas em torno da discussão do papel da política externa dos Estados Unidos, tendo sido um dos mais notórios opositores da invasão americana do Iraque, chegando inclusive a visitar este país algumas semanas antes de se iniciar a guerra de 1990.

– Salman Rushdie – Nasceu em Bombaim, em 1947 e é um ensaísta e autor de ficção britânico de origem muçulmana- indiana. Cresceu em Mumbai (antiga Bombaim) e estudou na Inglaterra, onde se formou no King’s College da Universidade de Cambridge.
O seu estilo narrativo, mesclando o mito e a fantasia com a vida real, tem sido descrito como conotado com o realismo mágico. Dono de um estilo próprio e dominando excelentes técnicas de narração, Rushdie já era um autor consagrado quando venceu o Prémio Booker em 1981 com a obra «Os Filhos da Meia-Noite».
Mas tornou-se incomparavelmente mais famoso após a publicação do livro «Os Versículos Satânicos», em 1989, que causou controvérsia no mundo Islâmico, devido ao facto de este livro ter sido considerado ofensivo ao profeta Maomé. A 14 de Fevereiro de 1989, o Aiatola Ruhollah Khomeini, líder do Irão, ordenou a sua execução ao considerar este livro como uma «blasfémia contra o Islão». Para além disso, Khomeini condenou Rushdie pelo crime de «apostasia» – fomentar o abandono da fé islâmica – o que de acordo com a Xaria é punível com pena de morte. Isto porque Rushdie comunicava através do romance que já não acreditava no Islão. Foi isto que levou Khomeini a ordenar a todos os «muçulmanos zelosos» o dever de tentar assassinar o escritor, designadamente os editores do livro que soubessem dos conceitos do livro e quem tomasse conhecimento de seu conteúdo. Devido a este factos, Rushdie foi forçado a viver no anonimato por muitos anos. Desde 2000, vive nos EUA, onde adquiriu a nacionalidade americana.
Salman Rushdie recebeu numerosas ditinções, entre as quais o Prémio Literário da União Europeia. Em 15 de junho de 2007 Rushdie foi condecorado com o título de Cavaleiro (Knight Bachelor), uma categoria do sistema honorífico britânico concedido pelo monarquia britânica. É membro da «Royal Society of Literature». E foi também agraciado com a Comenda da Ordem das Artes e das Letras, uma condecoração honorífica gerida pelo Ministério da Cultura francês que recompensa as pessoas que se distinguem pela sua criatividade nos domínios artístico ou literário ou pelo seu contributo dado no domínio das artes e das letras em França e no mundo.
Entre as sua obras publicadas, destacam-se, além das duas atrás referidas, as seguintes: «Vergonha», no original Shame (1983); «O Sorriso do Jaguar», no original The Jaguar Smile; «A Nicaraguan Journey» (1987); «Haroun e o Mar de Histórias», no original Haroun and the Sea of Stories (1990); «Pátrias Imaginárias» no original Imaginary Homelands; «Oriente, Ocidente» no original East, West (1994); «O Último Suspiro do Mouro» no original The Moor’s Last Sigh (1995); «O Chão que Ela Pisa» no original The Ground Beneath Her Feet (1999); «Fúria», no original Fury (2001); «Shalimar, o Palhaço» no original Shalimar, the Clown (2005); «A Feiticeira de Florença» no original The Enchantress of Florence (2008); «Joseph Anton, Uma Memória» no original Joseph Anton, A Memoir (2012); «Dois Anos, Oito Meses e Vinte e Oito Noites» no original Two Years Eight Months and Twenty-Eight Nights (2015); «The Golden House» (2017).

– Sting – Este é o nome artístico por que é conhecido em todo o mundo. Mas o seu verdadeiro nome é Gordon Matthew Thomas Sumner. Trata-se de um vocalista, cantor e ator britânico mundialmente reconhecido.
Antes de iniciar a sua carreira a solo foi o principal compositor, cantor e baixista da banda de rock «The Police».
Ao longo de sua extraordinária carreira já vendeu mais de 200 milhões de discos e recebeu 16 Prémios Grammy pelo seu trabalho, incluindo o seu primeiro que lhe foi atribuido em 1981, pela «melhor performance instrumental de rock».
Em 2002, Sting ganhou também um Globo de Ouro pela canção «Until…» para o filme «Kate and Leopold». Nesse ano, foi-lhe ainda concedida a Comenda da Ordem do Império Britânico.
Em Portugal, Sting atuou a primeira vez em 1 de Agosto de 1993, no Estádio José de Alvalade e em seguida em 3 de Junho de 2000, no Estádio Nacional.
Sting regressou a Portugal para atuar a solo, no ano de 2004, na primeira edição do Rock in Rio Lisboa e em 2006, para novo concerto na segunda edição do Rock in Rio Lisboa, no Parque da Bela Vista.
Três anos depois, voltou a atuar no âmbito do reencontro dos «The Police» no Estádio Nacional. Em Junho de 2012, voltou ao nosso país para atuar a solo no festival EDP Cool Jazz Fest, no Estádio do Parque dos Poetas, em Oeiras. Finalmente, participou no festival Marés Vivas em Julho de 2017, em Vila Nova de Gaia.
Dito isto, passo a reproduzir na íntegra o texto publicado em 14 de Março último, subscrito por estas quatro eminentes figuras da cultura europeia e mundial:
«O DESTINO DO MUNDO JOGA-SE EM KIEV
O Presidente Volodymir Zelinsky, com o seu espírito de resistência, o seu heroísmo e a sua fidelidade inegociável aos valores democráticos, gera admiração em todos. E, quer a Europa, quer os Estados Unidos têm o dever político e moral de se manterem, mais do que nunca, ao seu lado.
Os abaixo-assinados estão horrorizados pela violência cometida contra as populações civis pelas forças de ocupação russas. Abrigos antibomba são transformados em salas de aula, hospitais são destruídos, nascem crianças em estacões de metro fortificadas.
Face a isto, o exército ucraniano, a que se juntaram dezenas de milhares de civis, pega em armas, enfrenta-os e defende as suas cidades.
Mas atenção! Não defende apenas as suas cidades. Estas unidades de soldados aguerridos, estes professores, estes restauradores, estes operários, estas dançarinas, estas mulheres e homens vindos de todas as camadas da sociedade, insurrectos, defendem também a nossa liberdade. Batem-se por um mundo aberto e emancipado. Batem-se, em primeira linha, por nós, europeus. E, também por esse motivo, devemos agir sem demora, diretamente, para que esta guerra tenha fim.
Os abaixo-assinados congratulam-se pelas sanções impostas à Rússia pela União Europeia, os Estados Unidos da América, o Canadá, o Japão e outros. Contudo, é possível fazer mais, e daí que apelemos aos governos para que vão mais longe, aumentem a pressão e adotem as seguintes medidas:
A justiça internacional deve ponderar e examinar todos os procedimentos suscetíveis de indiciar Putin e os seus por crimes de guerra.
Os países que prestam assistência militar de urgência à Ucrânia devem certificar-se de que os seus fornecimentos correspondem mesmo às necessidades táticas do momento: mísseis antitanque ligeiros; baterias antiaéreas que possam ser deslocadas rapidamente; nada de armas pesadas, que seriam destruídas antes de chegarem ao seu destino!
Os dados de que dispõem os bancos e serviços de informações ocidentais sobre os bens irregularmente adquiridos por oligarcas russos devem ser divulgados em larga escala junto da opinião pública russa.
Além das companhias aéreas, todas as companhias de navegação, todos os cargueiros que ostentem pavilhão russo, todas as empresas registadas na Rússia devem, até nova ordem, ficar sem acesso aos mercados americanos e europeus.
As empresas europeias, americanas ou aliadas devem congelar, custe o que custar, todas as suas atividades comerciais, seja de que natureza for, na Rússia e com a Rússia.
As grandes redes sociais devem bloquear e banir todas as contas que permitam ao Governo russo, aos seus fiéis, aos seus lobistas, espalhar a sua propaganda.
Os serviços e sistemas da Microsoft devem ser fechados a cadeado em toda a Rússia e os fornecedores de serviços de Cloud devem, até nova ordem, tornar-se inacessíveis a partir da Rússia.
As sanções pessoais devem ir além do pessoal político e dos oligarcas avençados; devem alargar-se aos responsáveis militares e administradores civis, que também são corresponsáveis por esta devastação, por esta carnificina.
Todas as contas bancárias da Rússia, sejam quais forem e onde quer que estejam, devem ser congeladas sem demora.
As importações de petróleo russo devem, até nova ordem, ser suspensas em toda a Europa; e a Europa deve trabalhar para diversificar sem demora, e de forma permanente, o seu fornecimento de gás.
Estas sanções, se forem aplicadas com firmeza, podem pôr fim a esta guerra. Se não acontecer, pelo menos forçarão o Kremlin a uma desescalada.
São medidas concretas e simples que os cidadãos livres podem, fora da Ucrânia e para apoiar a Ucrânia, exigir aos seus governantes. Cada um pode, além disso, agir a título pessoal e no seu próprio âmbito. É possível enviar donativos para fundos ucranianos de ajuda aos voluntários. Há meios para apoiar e estimular a parte da sociedade civil russa que se ergue contra a guerra.
A agressão de Putin contra Ucrânia livre não é apenas um assunto militar. É um confronto entre duas concepções de sociedade, duas visões da vida e, no fundo, duas formas de civilização.
É o nosso futuro que está em causa, bem como o destino reservado, este século, às centenas de milhões de mulheres e homens que acreditam na democracia, não perdem esperança na liberdade e desejam a paz.
Bernard-Henri Lévy, Sean Penn, Salman Rushdie e Sting».
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«Portugal e o Futuro», opinião de Aurélio Crespo
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Julho de 2020.)
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