:: :: ANTÓNIO EMÍDIO :: :: No primeiro episódio das «Histórias da Memória Raiana» o António Emídio «apresentou-nos» a família do Luís do Sabugal quando este se preparava para ingressar no Outeiro de São Miguel. Na «quinta temporada» o António Emídio destaca a decisão do Luís de voltar a Portugal poucos dias depois do 25 de Abril de 1974… (Capítulo 5, Episódio 1.)
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HISTÓRIAS DA MEMÓRIA RAIANA
Capítulo 5 – Episódio 1
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COUP D’ÉTAT AU PORTUGAL
(Golpe de Estado em Portugal)
Paris. 25 de Abril de 1974. Dez horas da manhã… A rádio France-Inter abre o noticiário com… «Coup d’État au Portugal».
Um dos amigos franceses do Luís disse-lhe que tinha ouvido esta notícia, mas mais nada sabia porque, entretanto, tinha saído de casa. O Luís ficou ansioso. Se falaram em golpe de Estado em Portugal, os «fachos» caíram. Mas quem os substituiu? Quem irá para o lugar do Caetano? E do Thomaz? Tipos mais extremistas? Democratas? Tudo uma incógnita…
No dia seguinte, sexta-feira, foi logo manhã cedo comprar o «Le Figaro» e tomou a decisão…
– Vou para Portugal, nem que seja a pé, quero ver o que se passa no meu País! – explica o Luís, já em casa, a decisão tomada.
O irmão António tentou dissuadi-lo mas não conseguiu. E a fazê-lo mais renitente foram as imagens que um canal da televisão francesa mostrou com a sede da PIDE rodeada de militares fortemente armados, e o Povo ao lado deles gritando: «O Povo unido jamais será vencido!!!»
De repente lembrou-se como estaria a situação na fronteira de Vilar Formoso. No entanto não pôs mais entraves à partida, foi ao quarto, mudou de roupa e meteu o resto dentro de uma pequena mala e partiu para a Gare de Austerlitz.
Pelo caminho ia pensando que talvez encontrasse alguns exilados portugueses, esses costumam estar bem informados do que se passa em Portugal a nível político. Ele conhecia alguns mas viviam um pouco longe.
Um dia tinha ido a Paris para ver um filme sobre a emigração portuguesa clandestina para França – «O Salto» – cuja música era do Luís Cília, também ele um exilado. Nessa tarde conversou com muitos emigrantes, mas não deu para uma relação sólida e frequente.
Entrou para o comboio, sentou-se no lugar que lhe pertencia, tentou dormir, mas a excitação durante todo o dia tinha sido enorme. Ouviu então alguém falar português, abriu os olhos e viu dois jovens sentarem-se no banco da frente. Fez a pergunta normal:
– Vão para Portugal?
Um pouco receoso, o que parecia mais velho respondeu:
– Vamos…
– Eu também vou, mas não sei como as coisas estão na Espanha e na fronteira de Vilar Formoso por causa do que se passou em Portugal…
– Olha pá! Nós também não sabemos, dizem que na Espanha está tudo normal, e em Vilar Formoso quem agora toma conta da Fronteira é um destacamento do Exército Português. A PIDE já lá não está.
Ninguém disse mais nada. Dormiram até Hendaya. Aí um dos companheiros de viagem perguntou-lhe:
– Tens passaporte?
– Eu não..
– Então pira-te da polícia, os espanhóis são cabrões!…
Felizmente o Luís conseguiu evitar a polícia espanhola e não teve problemas.
O resto da viagem decorreu com toda a normalidade até Fuentes de Oñoro. Aí o Luís saíu do comboio e com a ajuda da escuridão da madrugada conseguiu ir por um carreiro que bem conhecia até à estrada que o levaria ao Sabugal…
Começou a caminhar pela estrada esperando uma boleia. Eram só buracos, mas ele continuou o seu caminho sem sentir os quilómetros nas pernas. Em Nave de Haver sentou-se numa grande pedra que estava à beira da estrada e disse para consigo: «Que silêncio… não há movimento nenhum! Presumo que também seja o receio da Fronteira… A estas horas os contrabandistas já povoavam esta estrada e os caminhos com os seus carros…Creio que chegou o fim deles, se em Portugal a Ditadura terminar, a Espanha seguirá o mesmo caminho, então as fronteiras serão um espaço aberto a toda a gente.»
Estava o Luís com estes pensamentos quando um Peugeot 504 que vinha em sentido contrário parou junto dele. O condutor abriu a janela e falou com ele:
– Bom dia amigo.
– Bom dia – respondeu o Luís.
– Está com uma mala de onde veio? Desculpe a pergunta, mas a estas horas…
– Não tem problema nenhum, estamos em tempos de perguntas! Em tempos de incógnitas! Vim de França, cheguei há pouco tempo, vim a pé desde Fuentes.
– Passou a Fronteira?
– Não! Saí do comboio em Fuentes e vim por um carreiro, não lhe sei dizer o que se passa na Fronteira, mas estou desconfiado que eles já lá mandam tanto como você e eu!!!
O homem ficou pensativo, despediu-se do Luís e seguiu caminho para Vilar Formoso.
Uns minutos depois o Luís conseguiu boleia numa carrinha de feirantes que ia para o mercado do Sabugal.
Se tudo correr bem, iremos ver o Luís entrar na Política Concelhia.
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António Emídio
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Os episódios das «Histórias da Memória Raiana» são escritos semanalmente por um autor diferente. Participaram na «primeira temporada»: António Emídio, Fernando Capelo, José Carlos Mendes, Ramiro Matos, António José Alçada, Franklim Costa Braga, António Martins, António Alves Fernandes, Joaquim Tenreira Martins, Georgina Ferro e José Carlos Lages.
Nesta «quinta temporada» o António Emídio destaca a decisão do Luís de voltar a Portugal poucos dias depois do 25 de Abril de 1974…
Total de episódios publicados: 36.
Apesar de fazer referência a nomes e lugares verdadeiros da região raiana dos territórios do Sabugal esta é uma obra de ficção e qualquer semelhança com nomes de pessoas, factos ou situações terá sido mera coincidência (ou talvez não!)
José Carlos Lages
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