Emmanuel Macron, proferiu no passado dia 19 de Janeiro um discurso no Parlamento Europeu na sua qualidade de Presidente da França, país que exerce a presidência rotativa do Conselho da União Europeia durante o primeiro semestre de 2022.
O presidente francês, Emmanuel Macron, centrou o seu discurso nas três ideias fundacionais em que assenta o projeto de construção europeia: a democracia, o progresso e a paz.
Começando por reconhecer que, embora a União Europeia tenha «estado à altura destes três grandes objetivos durante a última década», não deixou, contudo, de ser «afetada pelo abalo que vivemos atualmente na Europa», razão pela qual chamou a atenção dos parlamentares de Estrasburgo sobre a necessidade de se proceder à «refundação» desses três grandes objetivos políticos da construção europeia.
1. Em relação ao pilar da democracia, Emmanuel Macron defendeu a necessidade de garantir o Estado de Direito no espaço comunitário. De facto, lamentou o presidente francês, «nós pertencemos a uma geração que redescobre a precariedade do Estado de Direito e dos valores democráticos» acrescentando que há infelizmente quem defenda «a ideia de que para sermos mais eficazes teríamos que sacrificar o Estado de Direito . Mas todos nós temos que respeitar o Estado de Direito, que é essencial na nossa Europa». Na verdade, afirmou Macron, «o fim do Estado de Direito é o reino da arbitrariedade e o regresso dos regimes autoritários», avisando que «por detrás das ameaças ao Estado de Direito há um debate autoritário, às portas da Europa». E concluiu : «O Estado de Direito é o nosso tesouro e, por consequência, para o defendermos, precisamos de convencer os povos que dele se afastaram.»
Por outro lado, Emmanuel Macron defendeu que a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em 2000, «decorridos 20 anos sobre a sua promulgação, necessita de ser atualizada» e deve passar a contemplar «novos direitos», entre os quais se conta «a defesa do meio ambiente». Efetivamente, nos termos do Tratado da UE, «o gozo dos direitos fundamentais dos cidadãos europeus implica responsabilidades e deveres, tanto para com as outras pessoas individualmente consideradas, como para com a comunidade humana e as gerações futuras».
2. No que diz respeito ao objetivo do progresso, o presidente francês lembrou que «a Europa não foi concebida para pensar em manter o status quo e ficar à espera. Fomos construídos pelo nosso desejo de garantir um crescimento económico» no espaço comunitário, «um modelo de futuro que permita às nossas classes populares e às nossas classes médias tirar todos os benefícios desse progresso» acrescentando que «o nosso desafio é construir um modelo original perante os grandes desafios deste século».
Entre estes desafios, Emmanuel Macron citou designadamente o clima, explicando que «nas próximas semanas será preciso concretizar muitas das intenções do Pacto Ecológico Europeu», a nova estratégia de crescimento para a UE que visa encaminhar a Europa para um processo de transformação numa sociedade justa e próspera, com impacto neutro no clima até 2050, tornando a Europa no primeiro continente climaticamente neutro, retardando o aquecimento global, atenuando os seus efeitos, e dotando a União de uma economia moderna, eficiente em termos de recursos e competitiva.
O outro grande desafio da União Europeia é a revolução digital, afirmou Macron, designadamente através da criação de «um verdadeiro mercado único do digital» no espaço europeu . Por outro lado, salientou a preocupação em «proteger as liberdades digitais, combatendo o discurso de ódio online e impedindo que as grandes plataformas tenham um comportamento comercial injusto que obstaculize o surgimento de concorrentes no mercado digital».
3. Quanto ao terceiro objetivo, a paz, Emmanuel Macron reiterou a necessidade da construção de uma Europa da Defesa. «A Europa deve armar-se, não por desconfiar das outras potências, mas para garantir a sua independência e não ficar sujeito às escolhas dos outros», defendeu. Por outra via, o chefe de Estado francês confirmou que a Presidência Francesa da UE vai avançar com uma reforma do Espaço Schengen, «respeitando a promessa original de um espaço de livre circulação de pessoas», mas que, por outro lado, permita «combater a migração irregular».
Presidência francesa no primeiro semestre de 2022
Discursando sobre as prioridades da Presidência Francesa da União Europeia, iniciada a 1 de Janeiro, Emmanuel Macron defendeu que a Europa deve partilhar «uma nova ordem de segurança e estabilidade com a NATO face à Rússia», argumentando que é preciso «um diálogo franco e exigente» com Moscovo e «uma solução política ao conflito na Ucrânia» face aos receios de uma invasão russa. «Estas próximas semanas devem levar-nos a apresentar uma proposta europeia de construção de uma nova ordem de segurança e estabilidade. Devemos construí-la entre os europeus, depois partilhá-la com os nossos aliados no âmbito da NATO e em seguida propô-la à negociação com a Rússia», afirmou Emmanuel Macron. Preconizando «a rejeição do uso da força, da ameaça, e da coerção, bem como a inviolabilidade das fronteiras e o respeito pela integridade territorial dos Estados…» o presidente francês lembrou: «Assinamos estes princípios com a Rússia há 30 anos, cabe a nós europeus aplicá-los!» E acrescentou a este propósito: «A promessa de progresso e de futuro na Europa só faz sentido se soubermos responder perante as perturbações geopolíticas, a ameaça do terrorismo, os ciberataques, a migração irregular, e a todo este grande momento de convulsão. Face a este regresso da tragédia na história, a Europa deve armar-se, não por desconfiar das outras potências, mas para garantir a sua independência neste mundo de violência», afirmou.
Por outra via, referindo-se ao aumento das tensões existentes no continente, especialmente junto às fronteiras europeias, Emmanuel Macron defendeu o repensar da política de vizinhança. E lembrou que «cabe a nós, europeus, defender esses princípios inerentes à soberania dos Estados europeus. A soberania é uma resposta às desestabilizações em ação no nosso continente».
Referindo-se a um eventual alargamento da UE a novos países candidatos à adesão europeia, Macron disse que a Europa não pode virar as costas aos países dos Balcãs Ocidentais, afirmando que é preciso «repensar a nossa relação com estes países dando-lhes de maneira mais clara e voluntarista, perspetivas sinceras de adesão». Contudo, o presidente francês adotou sobre o assunto uma posição de alguma prudência, ao dizer que a ideia não é «afastar as tentativas de pressão» com vista à adesão desses países, mas sim de «elaborar um calendário adequado para essa adesão», lembrando que «a Europa atual, com as suas regras, não está preparada para um alargamento a 32 ou 33 países» e defendendo que vai ser necessário «pensar numa organização da UE que seja mais viável e reinventar as regras do seu funcionamento», propondo que «a Conferência do Futuro da Europa, cujos trabalhos decorrem até à primavera deste ano, deve ser seguida de uma Conferência sobre os Balcãs».
Por outro lado, o chefe de Estado francês disse que perante uma «Europa confrontada com uma escalada de tensões na vizinhança», há que «repensar o lugar da União Europeia no mundo» para «reconstruir uma potência de paz e de equilíbrio».
Neste sentido, Macron indicou que a presidência francesa da UE vai propor «uma nova aliança com África», durante uma cimeira europeia que terá lugar em Fevereiro entre os dois blocos, através de «um novo acordo económico e financeiro» com o continente africano e «com propostas muito concretas em matéria de educação, de saúde, de clima com vista ao desenvolvimento do continente e da juventude africana» e, por outro lado, «com uma agenda de segurança para apoio aos Estados africanos confrontados com o terrorismo, e para o combate às redes de tráfico de pessoas» nas rotas das migrações clandestinas.
Ainda uma palavra para o Reino Unido. Emmanuel Macron entende que «a Europa e o Reino Unido devem reencontrar o caminho da confiança. Nada põe em causa o que nos une ao povo britânico, mas após o Brexit é fundamental que o governo britânico esteja de boa fé, no respeito pelos compromissos que assumiu nos acordos que assinou com a União Europeia», designadamente nos acordos assinados entre as partes, em particular nos Protocolos sobre a Irlanda do Norte e sobre o direito de exploração dos recursos das pescas por parte dos Estados-membros da UE.
Durante o longo debate de cerca de quatro horas que se seguiu ao seu discurso de apresentação sobre as prioridades da Presidência Francesa do Conselho da UE, o presidente francês foi questionado por vários eurodeputados que lamentaram a ausência de qualquer referência às relações da UE com a América do Sul. Em resposta, Emmanuel Macron anunciou ao Parlamento Europeu que a Presidência Francesa conta organizar no próximo mês de Maio, uma cimeira dedicada à América do Sul: «Sou favorável a que possamos desenvolver uma ambição para o continente sul-americano» confirmando que a Presidência Francesa prevê para a data atrás referida a «organização de uma cimeira informal sobre o continente sul-americano, em particular com os nossos parceiros espanhóis e portugueses».
Nesta sua intervenção na casa da da democracia europeia, o presidente francês fez questão de incluir uma referência a Fernando Pessoa: «O que é ser europeu? É sentir a mesma emoção perante os nossos tesouros, fruto do nosso património e da nossa história… é vibrar da mesma forma com o espírito romântico das obras de Chopin e com os textos de Pessoa.»
Ser europeu é «também ter uma civilidade, uma maneira de estar no mundo, dos cafés aos museus, que é incomparável e que é singular. Da Grécia antiga ao Império romano, do Cristianismo ao Renascimento e às Luzes, somos os herdeiros de uma maneira singular de encarar a aventura humana. Espero que possamos continuar juntos a promover esta civilização europeia feita de universalismo, de cultura respeitada e de um projeto comum respeitoso das singularidades e das identidades de cada um».
No final do seu discurso, Emmanuel Macron mostrou-se confiante no futuro da União Europeia, declarando: «Nem os reflexos passados, nem o regresso ao nacionalismo, nem a dissolução das nossas identidades serão as respostas a este mundo em que vivemos.» Pelo contrário, «a chave do nosso sucesso será a nossa capacidade de inventar um sonho possível, de torná-lo tangível, de realizá-lo, de torná-lo útil para nossos concidadãos» afirmou. «Nós temos a força. Nós temos os meios. Por isso estou confiante.»
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«Portugal e o Futuro», opinião de Aurélio Crespo
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Julho de 2020.)
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