Conheci uma jovem, de nome Stefanie. Nome habitual nestas terras africanas. Pertencia a uma famíla de classe média. Este extracto social está a «sumir» como aqui também se diz, vertiginosamente no espectro da sociedade. Seu pai faleceu há um ano, e como quase sempre, os bens são disputados por uma dezena ou mais pessoas. O direito sucessório é dificil aplicar, porque imaginação não falta aos herdeiros, e por vezes oriundos de progenitores diferentes.

Conheci a Stefanie numa boleia que lhe dei para o Cambulo. Trazia uma amiga mas pouco falou. Iam fazer a prova de educação para concorrer a professoras do 1.º Ciclo do ensino oficial.
Na realidade as partilhas de bens são bem mais complexas daquelas que julgava que atingiam o clímax do metro quadrado ou da esquadria, como conheci em Portugal.
A Stephanie vivia num contexto de classe média. Seu Pai era um alto quadro da Administração Pública mas a sua partida prematura deixou o caos entre os sete filhos mais a família colateral (netos, outras esposas…).
Vive num anexo da ultima casa onde seu Pai viveu, e mesmo assim querem-lho tirar.
Mas tem a esperança de ingressar na carreira docente, tendo tirado com altaclassificação curso a trabalhar e com a ajuda do Pai.
Normalmente dou boleias aqui na Lunda Norte. Ao contrário do que dizem nunca tive qualquer ameaça, mas antes o contrário, fico a saber muito da vivência e dos problemas de muita gente. Às vezes até assuntos do meu trabalho. Quantas pessoas me dizem que não têm água faz dias e eu a julgar que tudo está normal com o abastecimento.
Passado uns quinze dias encontro a Stefanie mesmo junto ao Aroma Café, um estabelecimento de uma senhora de Sesimbra, que me lembra muito essa terra mítica de Setúbal. Ela identificou-me facilmente, o que se compreende, e falou mais um pouco. Vinha da direcção Provincial de Educação, que é vizinha desse estabelecimento da D. Cristina.
Conseguiu a colocação em Biologia. No entanto há o problema do alojamento e o Cambulo não tem água canalizada nem energia de rede. Mas o importante é ter conseguido esta vaga e tudo se vai superar.
Contou-me o regresso naquele dia da prova. Ambas não tinham dinheiro para regressar ao Dundo e lá conseguiram um amigo, ou amiga, que lhes emprestasse algum dinheiro, mas só por transferência bancária. Mesmo com a dificuldade do homem do transporte só aceitar dinheiro físico lá arranjaram uma maneira de transferir para a conta de um lojista que lhes deu as desejadas notas. Felizmente há em Angola uma aplicação muito parecida com o MBWay, só que permite transferências por IBAN. E faculta recibo que pode ser enviado por whatsapp para o beneficiário da transferência.
Obviamente que fiquei contente. Às vezes fecham-se portas e abrem-se janelas. E para quem tinha uma vida folgada, ficar de repente a andar nas «ruas da amargura», não é nada facil. A dificuldade de superar torna-se bem mais díficil.
Por isso minha amiga: Boa Sorte e Felicidades!
E como dizia o meu falecido Pai: «Um homem nunca está bem!»
Lutar e não baixar os braços leva-nos a ultrapassar o dia!
Cambulo, 7 de Janeiro de 2022
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«No trilho das minhas memórias», crónica de António José Alçada
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Março de 2018.)
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