O presépio do Natal contém em relevo, para além da Sagrada Família, a vaca e a mula ou burra que aqueceram o Menino deitado na manjedoira. A vaca e a burra ou mula fazem parte do conjunto de animais a que chamavam o vivo, isto é, os animais de maior porte que, vivendo junto do dono, lhe davam algum rendimento, para além da ajuda nas suas tarefas do campo.

O «vivo» eram, pois, as vacas, burros, cavalos e machos, sendo os últimos raros. Também se pode incluir na designação de «vivo» o gado, de ovelhas e cabras. De fora ficavam os que viviam mais próximo do dono mas que, embora alguns lhe pudessem proporcionar rendimentos, não ajudavam nas suas tarefas, como era o caso dos cães, gatos, galinhas, patos, coelhos e porcos. Ao vivo era necessário deitar-lhe de comer e beber à noite, se não haviam pastado nos campos ou lameiros durante o dia.
As vacas, sendo embora os animais que mais trabalho davam ao dono, pois era necessário ir à erva, canas de milho ou zaburro para lhes dar de comer, eram também as que mais ajuda e rendimento lhe proporcionavam. Com elas lavrava e agradeava os terrenos, acarretava cepas para o lume entrançadas nos estadulhos ou levava estrume da loije para os terrenos dentro dos cetos do carro. Eram elas que faziam as acarreijas do pão para a eira e transportavam a palha e o grão para o palheiro ou casa do dono. Delas este tirava rendimento nas jeiras e nas crias que venderia nos mercados.
Burros, cavalos e machos também o ajudavam na lavoura, nas regas a puxar a nora, no transporte de sacos, feixes de erva, canas ou lenha no dorso, seguros por laços bem arrochados, ou ainda de água nas andilhas. Serviam ainda de transporte para o dono e familiares na ida para os campos ou a mercados. Comiam menos que as vacas e davam também bom rendimento na venda das crias.
Vacas, burros, cavalos e machos fariam ainda estrume na loije, que seria levado para os campos, onde serviria de adubo.
Para seu alimento necessitava o dono de possuir lameiros e regadas ou teria de os alugar. O preço do aluguer era pago a dinheiro ou com estercadas do gado, se o tivesse, nos terrenos do dono dos lameiros, dormindo nos terrenos em bardos fechados por cancelas sustentadas por galhadas.
Já as cabras e ovelhas não o ajudavam nas suas tarefas mas proporcionavam-lhe bom rendimento com o leite de que fazia queijos para seu alimento e venda. Também os cabritos e cordeiros lhe serviam de alimento em festas e lhe rendiam dinheiro na venda, para além da lã das ovelhas que um tosquiador de fora lhe retirava na Primavera.
O dono também beneficiava das estercadas nos seus chões. E até podia vender estercadas a terceiros.
Em casa de meus pais e avós havia de tudo, «vivo» e outros animais. Habituei-me a conviver com eles como se fizessem parte da casa, tal como os humanos. Eram como um complemento da família.

Sinto uma certa saudade dessa harmonia que não tenho em Lisboa. Por isso lhes dedico uns versos…
O VIVO
Olá, vaquinhas! Bom dia!
Prontas estais pr’ó trabalho?
São horas d’ ir dar a jeira
P’ra pagar feno e lameira
Que vos dá tanta alegria.
Vamos junguir-vos ao carro,
Às sogas chegai a cabeça.
Hi! Ouh! Já somos chegados.
Para que nada me esqueça,
Vamos já pôr o arado.
Aivecas já abrem regos
Para as sementes deitar,
Que em boa terra crescerão.
Ora vamos agradear
E cobrir de terra o grão.
Venha o tamoiro de sola
P’ra segurar o cambão
Que essa grade há-de arrastar,
Alisando esse tarrão
Como num campo de bola.
Há-de aqui nascer o pão
Que um dia acarrejaremos
Para na eira o malhar.
Dele farinha teremos
P’ra todos alimentar.
Que alegria, minha gente!
Nasceu uma bezerrinha.
Vamos provar já os crostos,
Leite bom para a vizinha
O beber ainda quente.
Vamos lá pôr a albarda
Em vós, burrinho e cavalo,
Para irmos ao mercado.
Amanhã vamos à erva
Que ireis comer já não tarda.
Uga lá, minha burrinha,
Vou pôr-te os laços em cima.
Um feixe de erva já está,
Outro já pronto se arrima.
Falta o arrocho à carguinha.
Há lugar p’ra mim ou não?
Ou já não podes comigo?
Vou aumentar-te a ração
P’ra me dares uma cria,
Dos meus filhos alegrIa.
Chegou dos campos meu gado.
Pareceis bem comidinhos.
As tetas cheias de leite
Vou ordenhar o que é dado.
Parece que há cabritinhos!
Vou colocar o barbilho
Nesses já grandes cabritos.
O leite será p’ra queijos.
Vendo-os no mercadito
P’ra umas calças p’ra meu filho.
Ovelhinha, meu amor,
O tosquiador já i vem.
Essa lã faz-te calor
E eu logo a venderei
Para um fato para o rei.

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«Lembrando o que é nosso», por Franklim Costa Braga
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Maio de 2014.)
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Parabéns pelas belas crónicas que me recordam os tempos de menino e moço das minhas origens! Oxalá a inspiração e engenho nunca lhe faltem!
Obrigado pelo seu comentário. Espero continuar a publicar textos que lhe agradem.
Franklim Braga