Passei o Natal de 2021 num dos pátios do Bairro do Kikolo, em Luanda. Para além das dezenas de crianças, havia um jovem que tinha uma guitarra. Uma guitarra no Kikolo é algo que nunca esperaria encontrar…

Fui ter com ele e entrevistá-lo. Chamava-se Lizandro, como o Rio de Torres Vedras, e tinha 18 anos. A guitarra foi-lhe oferecida quando fez 14 anos, e foi aprendendo por ele. Hoje toca na «Banda Lírios dos Vales», um nome bucólico que ainda me espantou mais, estando no meio urbano, densamente povoado.
A Banda toca nos cultos da Igreja Pentecostal, do Bairro da Cuca, não muito longe dali. E de facto o nome até se adequa.
Daí o estilo ser fundamentalmente Gospell, mais de influência brasileira que norte-americana. Aliás os cultos da Igreja Pentecostal, que tenho assistido, recorrem, infelizmente, à influência brasileira, salvo no Dundo que a Igreja tem um conjunto de coros onde a riqueza cultural é mais diversificada. Para além do tchoqué, usam a influência norte-americana cantado na língua portuguesa, sem deixar também de usar pontualmente o estilo do Brasil.
Mas a conversa foi muito interessante. O Lizandro até gosta mais da Soraya Ramos, uma cabo-verdiana, elegendo o tema «bai» como o seu eleito. A tradução para português não é díficil. Basta pensar na pronúncia do norte. Tal como eu, prefere o Gospell norte-americano, tendo em conta a riqueza de vozes e de acordes.
A Banda Lírios dos Vales tem oito elementos base, fundamentalmente cordas, um piano e bateria, e por vezes conta com outras contribuições de músicos voluntários.
De quando em vez, fazem concertos para amigos e amigas. O repertório incide muito no amor, paixão, nostalgia, tendo mesmo o Lizandro referenciado o termo «melancólico».
Ainda não têm originais, levando-os a tocar e cantar temas conhecidos. Mas estão a ganhar coragem para começara desenvolver o seu próprio repertório (música e letra), esperando ter a oportunidade de ir ver esse «passo» mesmo no pátio, onde vive, que tem óptimas condições para um primeiro espectáculo.
Uma curiosidade que tinha era se havia ensino de música em Angola. De facto não conheço nenhuma senhora que não goste de cantar. Quantas vezes a vizinha de cima me acorda com a sua cantoria, mas saliento que o tom de voz é normalmente «alto». Não canta aos berros mas a oitava é muito acima da média.
Na realidade existe uma escola privada com prestígio. Mas o ensino é caro para grande parte da população.
Na verdade encontrar um instrumento em Luanda é algo fascinante. E como as pessoas têm ouvido para a música, acredito que se encontrassemos na rua grupos a cantar e tocar, «Luanda tinha muito mais encanto!»
Bairro do Kikolo, 25 de Dezembro de 2021
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«No trilho das minhas memórias», crónica de António José Alçada
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Março de 2018.)
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Sempre com novidades. Agora é a música do Bairro. Procura conhecer… se ainda não conheces… a Escola de música de Kapossoca no bairro da Samba em Angola.