Findos os eventos natalícios e regressado da aldeia, entro no novo ano carregando algumas recordações antigas. Trago hoje a estória do António Cravainho.

O Cravainho era um homem baixo, de gestos lentos e ar pensador. Dir-se-ia
que, em contexto de trabalho, ele simbolizava a perfeição. Leira que desenhasse caracterizava-se pelo primor. Amanhava-a de esquadria e a terra que alisasse, fazia lembrar uma enorme e fofa passadeira. Árvore que ele podasse, finalizava-a em simetria.
Unanimemente aceite como mestre, era procurado por muitos. Porém, alguns interpretavam a sua virtuosidade como extremada supondo-lhe o gasto da jornada apenas em acabamentos. Mas, na verdade, nunca lhe faltou trabalho nem deixou de sustentar a prole.
Tinha uma data de filhos, quatro raparigas e dois rapazes. Um deles, o Lele Cravainho, saiu-lhe pior que a encomenda. Era muito mais dado a veleidades e gastos em dinheiro do que a trabalhos. Um dia, após furtiva conversa com um emigrante alfacinha convenceu-se de que Lisboa era uma verdadeira plantação de árvores de patacas e decidiu ir até lá.
Mas a sua desenvoltura não lhe surtiu grande efeito. Passado pouco tempo já ele tinha gasto o conto de reis que o pai lhe emprestara e regressava à aldeia de barriga à míngua.
Assim sendo, achou por bem tentar convencer o pai de que estava a estudar. Talvez fosse essa a melhor maneira de lhe arrebatar mais uns trocos. Dispôs-se, pois, à argumentação:
– Ó meu pai, aquilo lá pela capital não anda nada bem mas eu já tenho solução. São precisos muitos mecânicos de avião. Cada avião que levanta leva um mecânico lá dentro não vá o diabo do pássaro adoecer durante o voo. Poisando o avião em muitas terras diferentes, é preciso saber falar inglês. Ora bem… Eu quero ser mecânico de aviões e já estou a estudar. Mas o curso é muito caro. O que eu precisava era de mais um dinheirito.
O Carvainho pai ficou radiante com a ideia empenhada do filho e, curioso, quis saber:
– Então, se já estudaste, já aprendeste alguma coisa!
– Claro que sim meu pai.
E desatou a produzir uns sons esquisitos. Por fim perguntou:
– Então pai? Percebeu alguma coisa?
– Nada, nem uma palavra.
– Pois bem, meu pai, eu apenas lhe pedi dinheiro em inglês!
– Então disseste quanto querias?
– Claro que sim. Dois contos de reis.
– Toma lá quatro rapaz que bem os mereces.
Num apertado abraço ambos selaram o contrato e o António Cravainho saiu de casa tão contente que nem via onde punha os pés. Na sua alegre velocidade, embateu de frente com o Mastigas que passava à sua porta. Meio desequilibrado, ainda conseguiu jeito para instigar o amigo:
– Ó Mastigas tu sabias que o meu Lele já sabe falar inglês?
E sem dar tempo ao outro para que lhe respondesse continuou:
– Pois olha que fala e muito bem. Mas o pior é que só ele entende!
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«Terras do Jarmelo», crónica de Fernando Capelo
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Maio de 2011.)
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