A minha tia tinha prometido ir ao musgo comigo se arranjasse um «poquenino de tempo» logo de manhãzinha. Mas tínhamos que nos levantar cedo.

Ela sim, levantou-se devagarinho, acendeu o lume, pôs a cafeteira na trempe para fazer o café de cevada, desceu ao curral a apanhar mais uns cavacos e umas cepas grossas. De caminho levou o caldeirão da vianda ao marrano, deitou-lha na pocilga e esmagou-a com a pá larga da enxada e juntou-lhe duas ou três mãos cheias de farelo. Não abriu logo a capoeira porque ainda estava escuro. Apanhou e quebrou melhor uns galhos, agarrou uma cepa grossa e voltou à cozinha.
Meu tio já se levantara também. Descera pelo alçapão com o candeeiro aceso, pusera uma «faxa» de feno à Mimosa enquanto a vitelinha mamava.
Depois, sentou-se no banco de meia lua tripé e foi a vez de ele encher o caldeirinho de leite branco e cheio de espuma que veio trazer à minha tia.
Ele levou um pucarinho de água bem quente para juntar à bacia do lavatório e foi aprumar-se para o dia que começava a romper o seu lusco-fusco.
Na lareira já havia brasas vivas, a trempe sustinha o tacho com o leite quase, quase a derramar e o café já assentava com o fervilhar da brasa incandescente que entrara na cafeteira com a tenaz pequenina, enchendo a casa daqueles aromas que só os sabe quem alguma vez os sentiu.
Foi então, que eu saltei da cama a esfregar os olhos e corri de pé descalço a perguntar se sempre íamos ao musgo! Só depois pus as mãos e fui pedir a benção ao tio e à tia, que me sorriram e pediram que Deus me abençoasse.
Pelo sorriso da minha tia percebi que sim, enquanto me ademoestava:
– Rábia te pele, vai já vestir-te e calçar-te. Ai mãe, que te constipas!
Fui ao quarto num pé e vim no outro. A tia abotoou-me o vestido, apertou-me as fivelas do sapato e preparou o lavatório com água quentinha para eu me lavar bem lavada, mesmo atrás das orelhas como me recomendava sempre. Eu adorava aquele toque da água quentinha no rosto e nas mãos e o cheirinho a sabonete de madeiras do Oriente, trazido de Navas Frias!…
Naquele dia, a pressa era maior que o esmero e não tardei a ir ter à cozinha onde a malguinha de café com leite me esperava. Para mal dos meus pecados, a tia obrigou-me a voltar atrás para me pentear e lavar melhor as mãos que ainda traziam espuma agarrada.
Todos tomámos o pequeno-almoço. O tio desceu à carpintaria e não tardou a ouvir-se a plaina a polir mais uma tábua, o martelo a pregar um prego, a serra e o serrote… Enquanto a tia mexia o folhelho das camas e estendia os lençóis e mantas grossas que tapava com adorno das cobertas lindas de lã cor de cerejas maduras. Eu achava-me uma mulherzinha a segurar as pontas e dobras e a estender bem os tapetes do chão que fora sacudir da varanda para o curral.
E chegou a hora de pegar nas cestas e numa faca velhinha para irmos ao musgo.
Era um dia frio, frio!, mas o sol brilhava como oiro no azul celeste sem nuvens.
A tia apressava o passo e eu tentava acompanhá-la aos saltinhos e às carreirinhas… Nos pedregulhos o musgo crescia num verde vivo, verde prateado e cor-de-vinho. Eu corria de pedregulho em pedregulho e gritava:
– Tia, venha ver! Ai mãe, este é tão lindo! E é grande, grande!…
Não demorámos muito tempo a encher as cestas e a voltar a casa onde a tia tinha o almoço para fazer para nós, a vianda para o marrano que já media doze palmos e estava na altura de engordar bem para a matança que não tardaria.
Passámos pelo «tchão» e a tia colheu umas folhas de couve que meteu debaixo do braço e acelerou a passada porque o relógio do campanário anunciava as onze horas. Eu ia ficando para trás o que me obrigava a dar mais carreirinhas para conseguir acompanhá-la.
Quando chegámos o tio já tinha feito a cabaninha mais linda que até hoje vi. A tia foi desembrulhar a imagem de Nossa Senhora e a de São José. O Menino Jesus só vinha na noite de Natal. Este ano tinha um patinho também, que me dera a D. Laurinda, para pôr no espelho a fazer de lago. E a ti Zefa disse que me dava um pastor com uma ovelhinha ao pescoço.
Não via a hora de ver o presépio armado!…
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«Gentes e lugares do meu antanho», crónica de Georgina Ferro
(Cronista no Capeia Arraiana desde Novembro de 2020.)
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