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28 Novembro 2021

Os sapatos da minha primeira classe

Por Joaquim Tenreira Martins
Bélgica, Opinião, Pedaços de Fronteira, Região Raiana, Vale de Espinho joaquim tenreira martins 2 Comentários

Estava mesmo desejoso que chegasse o meu primeiro dia de escola. O meu pai tinha-me comprado uns sapatos na feira de São Pedro, nos fins do mês de Junho. Tinha de esperar os princípios de Outubro para os poder calçar, na abertura da escola…

Sapatos castanhos

De Junho até Outubro era uma eternidade para uma criança de um pouco mais de seis anos. A minha mãe tinha colocado os meus sapatos em baixo da janela da sala pequena, perto do quarto onde dormiam os rapazes, porque as minhas irmãs e os meus pais dormiam nos quartos da sala grande. Quando me levantava deitava sempre uma olhadela para ver se ainda estavam no mesmo sítio e quando me deitava, por vezes, pegava num pedaço de pano para lhes tirar o pó que se teria acumulado.

Quando não ia com a minha mãe para o campo, abria a porta da sala pequena e enfiava os sapatos nos pés para ver se ainda me serviam porque o meu pai dizia-me que já estava muito crescido e brevemente iria para a escola. Eu pensava que, ao crescer, os meus pés também cresceriam. Tinha, por isso, medo que os sapatos já não me servissem quando os devia levar para a escola.

Eram uns sapatos castanhos, e o meu pai tinha comprado graxa e uma escova no chamado Depósito da Viúva Monteiro para lhe repor o lustro quando fosse necessário. Estava habituado a calçar botas de cabedal e borracha no rasto, que era pneu já velho de automóveis. O meu pai não queria que usasse sapatos com brochas encravadas na sola porque, pensava ele, poderia escorregar nas grandes pedras ferranhas e muito lisas da calçada, e também porque aquele barulho metálico que se fazia ouvir com as nossas passadas era reservado aos cavalos de carga e não aos meninos como eu. Os gostos do meu pai, mesmo hoje, nunca os pus em causa.

Os meus sapatos tinham sola rija por baixo e, por cima, terminavam com uma biqueira na frente com três buraquinhos, em forma de triângulo de que gostava imenso. Tinham uns atacadores que me pareciam muito compridos e ainda disse à minha irmã Maria para os cortar, mas ela aconselhou-me a deixá-los assim e ensinou-me a fazer o nó, e até um duplo nó, para poder brincar à vontade e não se desfazerem facilmente.

No dia da abertura da escola calcei os sapatos, mas apercebi-me que os meus pés deviam ter crescido porque tinha de fazer um grande esforço para darem as passadas, em cima de uma calçada irregular. Tinha de fazer cuidado e olhar para o chão para não cair e estragar os sapatos. Se eu caísse, não tinha importância que já estava habituado, e o meu pai até já me tinha feito umas joelheiras para não estragar os joelhos, porque eram demasiado os tombos que dava nas calçadas da aldeia. Dizia ele com uma certa graça: «Até pareces o Cristo crucificado, com tantas feridas nos joelhos!»

O meu pai tinha-se colocado fora da alfaiataria, em cima da laje de granito que se encontrava ao lado direito da porta principal, certamente para me ver chegar da escola. Ao longe, notou que andava a muito custo, quase a cambalear. Levantou-se, foi ao meu encontro e perguntou-me como tinha decorrido o meu primeiro dia de escola.

– Os sapatos devem ficar-te apertados.
– Mas são muito bonitos! A professora olhou para eles e perguntou-me onde os tinha comprado.
– Devias ter brincado muito. Não sei por onde andaste; tens os sapatos bastante sujos, sobretudo nas biqueiras!
– Foi o Chico do Alcambar que mos pisou com as botas de borracha. Ele vem da serra todos os dias com as botas cheias de terra e de pó e calcou-me as biqueiras dos sapatos. Com a graxa e a escova que comprámos na feira, os sapatos vão ficar como dantes.
– Amanhã não vais levar os sapatos para a escola. Iremos colocá-los ao lado da chaminé porque o Natal aproxima-se e tens de ir pensando num presente. Como sabes, o Menino Jesus tem muitas crianças em que pensar e não podes ficar para último. Quando souberes escrever, espero que seja dentro em breve, irás redigir uma carta ao Menino Jesus para lhe pedires um presente que colocará em cima dos teus lindos sapatinhos.

Não achei má ideia, pois sapatos já tinha, agora deveria pensar no meu presente de Natal e aprender a escrever depressa, que o Menino Jesus tinha muitas prendas para distribuir e eu tinha de o informar do presente que desejaria.

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«Pedaços de Fronteira», opinião de Joaquim Tenreira Martins
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Março de 2013.)

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2 Comments

  1. Ismael malhadas vigário Responder
    Terça-feira, 30 Novembro, 2021 às 19:26

    O narrador autobográfico remete-se à infância dos seis anos, prosa simples e corrente, o texto a fixar a memória, onde tudo está situado, quase em pedra e cal. O texto a fazer-se memória de um desejo, nostalgia de não a querer perder, reescrevendo-se e tornando o tempo vivido, um tempo revisitado.

    • Joaquim Tenreira Martins Responder
      Quarta-feira, 1 Dezembro, 2021 às 21:51

      Obrigado, Ismael! Tens toda a razão, bem caracterizado! ou tu não tivesses sido um brilhante professor e um excelente amante de letras! Saúde e Abraço

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