Era frequente os pais, ou sobretudo a mãe, abandonarem os recém-nascidos na roda dos conventos ou mesmo à porta de alguém. Estes bebés eram chamados expostos. Isto acontecia por o bebé ser fruto de uma relação ilícita que a mãe pretendia esconder e que dava origem aos então chamados «filhos de pai incógnito», ou mais raramente por os pais não terem posses para os criar.

Os conventos de freiras tinham à portaria uma «Roda» onde os fiéis colocavam donativos e impedia as monjas ou freiras de serem vistas pelos doadores. A roda era o local ideal para se colocarem os enjeitados, já que seriam recolhidos em rotina habitual de verificarem a roda, e as mães mais preocupadas com o destino dos filhos sabiam que estes iriam ser bem tratados. Não havendo convento por perto, deixavam-nos à porta de alguém de terra vizinha que sabiam ter posses para os criar. As Misericórdias, como a do Sabugal, acolhiam muitos deles, alugando amas para lhes darem leite.
Quadrazais estava longe de qualquer convento com roda, razão pela qual a maior parte das mães solteiras criava os seus filhos, mesmo sob o opróbrio dos conterrâneos. Não tenho informação sobre se alguma quadrazenha depositou a sua criança na Misericórdia do Sabugal, mas encontrei nos registos paroquiais um ou outro recém-nascido deixado à porta de quadrazenhos.
No século XVII anotei o nascimento de uma criança filha de pai incógnito. No século XVIII anotei 11, filhas de 11 mães diferentes.
Só de 1800 a 1855 nasceram em Quadrazais 19 crianças de pai incógnito e de 1855 a 1899 nasceram 14. Ou seja, no século XIX nasceram 33 crianças de pai incógnito, filhas de 23 mães diferentes e muitos foram os filhos ilegítimos.
Já no século XX registei o nascimento de 45 crianças de pai incógnito nascidas de 27 mães diferentes, sendo quatro de mãe não quadrazenha.
56 destes filhos de pai incógnito não tiveram descendência. Terão falecido, foram abandonados ou saíram de Quadrazais. Algumas destas mães eram de fora: duas de Malcata, uma de Avelãs da Ribeira, uma do Porto, uma de Pedrógão, duas de Alfaiates, uma de Rendo, uma de Mancelos e uma de Mangualde, num total de 10. Oito mães tiveram dois ou mais filhos de pai incógnito, nem sempre do mesmo pai.
Pelo menos de duas mães conhecia-se quem era o pai dos filhos. Estes foram registados como sendo de pai incógnito porque ainda não era obrigatório pesquisar quem era o progenitor para o registar como tal. Uma destas teve dois filhos de pai diferente e que eram conhecidos, a ponto de um dos filhos ter ficado com a alcunha correspondente ao nome do pai.
Em geral, estas mães com filhos de pai incógnito eram solteiras. Mas houve entre elas três viúvas e uma casada que tinha o marido emigrado na Argentina.
Muitos dos filhos de pai registado como incógnito eram filhos ilegítimos, isto é, de pares que não haviam casado antes do baptismo dos filhos.
A existência de crianças não reconhecidas pelo progenitor poderá levar-nos a crer que outras em igual situação poderão ter sido abandonadas. Houve mesmo quem se desfizesse do bebé, matando-o, como foi o caso da Bajé Ginginha, que atirou o recém-nascido para o tronco oco de um castanheiro perto do cruzamento do caminho que ia para o Ozendo, tendo sido presa por este crime. Parece que acabou por casar com o progenitor do bebé.
Entre 1856 e 1899 a Roda da Misericórdia do Sabugal entregou nove expostos a quadrazenhas para cuidarem deles. Muitos dos que vieram para Quadrazais eram filhos de pai incógnito.
Surgem nos «Registos Paroquiais» várias crianças que eram deixadas às portas das casas. Foram baptizadas em Quadrazais várias destas: Gabriel em 1868, Alexandrina e Elvira, em 1875, Maria da Anunciação, em 1876, Alfredo, em 1891, e ainda António Augusto, César Augusto, António José e Maria da Natividade de que desconheço a data.
Infelizmente, seja por quererem esconder o produto de relação ilícita, seja por falta de posses para manter o recém-nascido, seja mesmo por não o aceitarem, muitas mães continuam a desfazer-se dos filhos de muitas maneiras, algumas criminosas, como vemos nos jornais ou ouvimos em notícias televisivas. Só que agora já não há rodas nos conventos para os depositar. Daí que alguns sejam deitados nos caixotes de lixo. Mas muitos outros nem chegam a nascer por abortos praticados de forma legal ou clandestina.
Enfim, ilícitos sempre houve e há-de haver, agora com mais protecção ou ajudas que outrora, e mães que não querem os filhos que concebem também continuam e continuarão a existir.
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«Lembrando o que é nosso», por Franklim Costa Braga
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Maio de 2014.)
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