A minha terra é uma aldeia como não há outra igual. Boa terra! Boa gente! Do melhor que já vi… Mas não é só isso! Boas culturas, belas quintas em redor, histórias e estórias como nunca se viu em lado nenhum…

Vamos então retomar por algumas semanas esse rememorar de tudo quanto é bom e se recomenda no Casteleiro, ali entre a Serra d’Opa e a Serra da Pena, a 20 quilómetros da Serra da Estrela que se vâ lá ao fundo. Hoje, algumas notas recordatórias para retomar o caminho:
1 – Chão de Cantargalo
O «Chão de Cantargalo» era uma beleza da Natureza: era plano, com a encosta de uma pequena serra mesmo ao lado (do lado direito, quando se chegava). Tinha um poço enorme, larguíssimo. Junto do poço, com uma nora que as vacas puxavam, uma de cada vez. E, ao pé do poço, uma enorme, mas mesmo muito grande figueira. Dava uma sombra espectacular. Isso era muito importante, por duas ordens de razões: primeiro, porque o calor no Verão era de facto muito – e o prédio, mesmo ao fundo da serra muito seca, com tudo muito verde, era muito bonito; mas, segundo e mais importante, porque o meu padrinho, depois das tarefas da agricultura, vinha ali ter comigo e ficava ali sentado a contar-me histórias fantásticas que lhe aconteciam.
2 – Chão da Estrada
O «Chão da Estrada» fica junto desta via, a qual pode ter sido um troço da grande via romana que atravessou esta zona. De facto, é preciso lembrar que, aparentemente, no século XVIII podia não existir a actual EN355, a actual estrada nacional. O Padre Leal diz que a última casa do Casteleiro ficava «a 30 passos da Capela de São Francisco».

3 – Lareira
A lareira tem algo de mítico, sei lá, algo de telúrico, talvez até de místico… A recordação da lareira emociona e excita as pessoas do meu tempo. A lareira é fogo. Fogo é vida. Mas vejamos como é que é vida. As conversas dos mais velhos, as palhaçaditas dos mais pequenitos a quem sempre toda a gente achava muita piadinha. Sem televisão, que não havia. Sem conflitos, pois em família isso não era aceite, sem exageros de qualquer espécie… das sete às dez – eram os serões em família. A roda de pessoas em torno do lume, os bancos que se usavam, as conversas que se tinham nesse ambiente: tudo foi recordado. Por cima das cabeças, o caniço. Lá em cima a secar, quando as havia, as castanhas. Ao lume, o caldeiro para assar mais castanhas. Ou então o caldeiro pendurado nas cadeias, que um dos mais velhos e com mais habilidade ia mexendo, sacudindo o caldeiro, até ficarem mesmo loirinhas, mesmo no ponto.
Cada um tem as suas lembranças mais vivas e fala desse ponto de vista. Para uns eram os «môutchos» (bancos de palha), para outros a cadeirinha que trazia de casa dos pais para se sentar na casa dos avós, onde os bancos podiam não dar para todos, para outros ainda, eram os banquinhos de cortiça, de memória mais quente.
4 – Casteleiro teve a primeira «diácona»
Já ouviu falar da Pneumónica ou Gripe Pneumónica (Gripe Espanhola)? Foi em 1918 / 19. É aqui que entra o Casteleiro. Eu explico: nesse exacto ano de 1918 e no ano seguinte morreram no Casteleiro muitas pessoas com a Pneumónica. Morreram tantas pessoas que o Padre da terra já não dava «bincemento» (vencimento, claro), – ou seja, já não conseguia fazer os funerais todos, que chegavam a ser aos quatro e cinco por dia.
Então, no Casteleiro foi tomada uma decisão revolucionária para a altura: uma mulher passou a ser aquilo a que hoje chamaríamos «diácona»: era ela que fazia os funerais. Era a «t’ Mari Sacrestoa», cujo nome real era Maria Mendes. Morava na Carreirinha e não se lhe conhece família no Casteleiro.
Morreu já muito velhinha. Escapou pois à Pneumónica. Reparem quanto isto era revolucionário, embora em situação de necessidade e crise por causa da Gripe Espanhola. Mas aconteceu. Talvez não saibam que a Igreja nunca aceitou que as mulheres desempenhassem estas tarefas. Só depois do Concílio Vaticano II, depois de 1960, é que isso foi permitido às mulheres.
Registem: a nossa terra esteve em certo momento na rota da modernidade no seio da Igreja.

5 – Sr. André Gonçalves Ribas
1919-1920 – Quase na mesma época, um ilustre residente no Casteleiro presidia à Câmara Municipal do Sabugal. Era o Sr. Ribas. Morava na casa que mais tarde foi do Sr. Quim Paiva, e hoje é da sua filha, a Professora D. Agostinha.
A propósito do Sr. Ribas, li há dias no «Viver Casteleiro» uma estória interessante que lhes quero trazer a todos. Ela é contada pelo actual Presidente da Junta de Freguesia do Casteleiro na primeira pessoa: «No início do século XX, face à escassez de moeda, as Câmaras Municipais emitiram as chamadas “cédulas fiduciárias”. Centavos em papel que só tinham valor no Concelho. Este exemplar, de dois centavos, foi emitido em 1920. Era presidente André Gonçalves Ribas que residiu no Casteleiro largos anos e onde nasceram alguns dos seus filhos. Há algum tempo, em conversa com uma das filhas a uma mesa de um café do Sabugal, eis que ela abre a carteira e coloca a “nota” em cima da mesa! Claro que fotografei…. A. Marques».
1926 – Já agora lembro a todos que, poucos anos depois destes dois factos acima referidos, um grande homem do Casteleiro, em 1926, fundou o jornal «Gazeta do Sabugal» e liderou um grande movimento de protesto e reivindicação dos agricultores/lavradores da altura no Concelho.
Foi o Dr. Guerra, da Quinta das Mimosas, que foi também o líder do «Motim do Aguilhão», em Fevereiro de 1926
6 – Prevenção dos incêndios
A desertificação e os terrenos incultos são um perigo. Sim, e a seca deste ano. Sim, e também o vento. Mas o principal não é isso. Esta crónica n.º 240 é curta e grossa, em sinal de protesto contra quem nada fez em 40 anos para que os incêndios sejam reduzidos, como deviam ser.
Para evitar que um incêndio florestal tenha caminho aberto e vida facilitada, toda a gente sabe que é preciso trabalhar antes da época dos incêndios: prevenção, chama-se a isso. Abrir caminhos na mata é na Primavera e no Outono (o Inverno é demasiado rigoroso, concedo). Mas nada se fez em 40 anos. Todos os Governos são os culpados disso.
Protesto contra esta criminosa inacção!

7 – Casteleiro é terra de bom vinho
Como se fazia o vinho bom que havia no Casteleiro?
A uva era colhida para cestos, daí ia para a dorna e daí para o lagar, se fosse o caso. Podia ser esmagada na dorna ou no lagar. Sempre com os pés descalços – e bem lavados, espera-se. Em todo o caso, o vinho depois disso ferve e limpa tudo. O que sobra é o engaço. Se se quiser tirar algum mosto, é esta a altura: antes de ferver. Mesmo antes. Depois ficava a ferver uns dias e finalmente era metido nos pipos ou nas pipas, dependendo da quantidade: era a estrafega, penso. Assim ficava, bem vedado na vasilha por umas semanas.
Sobre este nosso vinho, um dia Manuel Leal Freira teve a amabilidade de me confirmar: «O vinho do Casteleiro é inquestionavelmente um vinho de excelência – o que se deve tanto pelas particularidades do clima como pela estrutura dos solos que foram abacelados. As grandes casas agrícolas da freguesia – Tavares de Melo e Mendes Guerra – obtinham índices de qualidade que não destoavam face aos melhores.»
Até para a semana, à mesma hora, no mesmo local!
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«A Minha Aldeia», crónica de José Carlos Mendes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2011.)
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