A tentativa de contagem da população portuguesa começou com D. Afonso III em 1260/1279, a que davam o nome de Rol de Besteiros, isto é, apuramento dos homens válidos para a guerra. No tempo de D. João I, entre 1421 e 1422, fez-se novo Rol de Besteiros. O primeiro numeramento em Portugal, já sem fins militares, fez-se no reinado de D. João III entre os anos de 1527 e 1532, com base no número de fogos. Apurou-se que Portugal teria então 1.262.376 habitantes. Já apresentei o texto deste numeramento, de que possuo cópia, no 3.º volume da minha obra «Para que não se Perca a Memória de 400 Anos de Vida em Quadrazais». (Parte 1 de 2.)

Quadrazais tinha então 134 moradores ou fogos. Não incluia a anexa Ozendo, ou Quintã, provavelmente ainda inexistente nessa altura, já que não é mencionada, nem a Quinta das Águas do Bacelo, que aqui surge individualizada com dois moradores (fogos). No «Inquérito Paroquial de 1758» diz-se que pertencia à freguesia de Quadrazais, embora situada no limite da Aldeia de Santo António. Por isso aparecem nos Registos Paroquiais algumas pessoas em Quadrazais com o nome de família «das Águas».
Para termos uma ideia correcta sobre a dimensão populacional de Quadrazais em 1527/32, apresento no fim um quadro comparativo dos seus moradores com os de outras freguesias hoje do concelho do Sabugal, mas que nessa época pertenciam a outros concelhos.
No então concelho de Sortelha, Santo Estêvão tinha 76 moradores (fogos), o Casteleiro tinha 52 e Malcata apenas 13. A própria Vila de Sortelha registava dentro das muralhas apenas 78 moradores. No então concelho de Vila do Touro, a sede apenas tinha 106 moradores. No então concelho de Alfaiates, Aldeia da Ponte apresentava 120 moradores, Forcalhos 37 e a sede do concelho registava entre muros 131 moradores. No então concelho de Vilar Maior, viviam 140 moradores na Malhada Sorda (hoje pertencente a Almeida), 93 na Nave do Avelar e 70 na sede do concelho.
No já então concelho do Sabugal, o Souto tinha 160 moradores, 98 a Nave, 58 em Vale de Espinho, 28 em Rendo, 7 nos Fóios, 1 na Torre e 223 a vila do Sabugal, sendo 96 intramuros e 127 fora da muralha.
Por estes números se pode concluir que com mais moradores (fogos) que Quadrazais (134) só o Sabugal com 223, o Souto com 160 e a Malhada Sorda com 140.
Podemos questionar-nos sobre o porquê desta ascendência de Quadrazais.
Uma das razões poderia ser o comércio com as terras da vizinha Espanha, que então ainda não se designava por contrabando. Mas, terras mais próximas de Espanha, como Vale de Espinho e os Fóios, melhor posicionadas para essa actividade, não as fez reter mais população.
Teremos de encontrar outras razões. Além disso, Valverde del Fresno, local donde provinha a maior parte das mercadorias, pertenceu durante algum tempo a Portugal e só no reajustamento de fronteiras nos séculos XV e XVI passou para Castela, não sei em que data. Portanto, o que pudessem comprar lá não seria estrangeiro.
Sabemos que já em 1320/21 a igreja de Quadrazais era das que pagava mais taxas decretadas por D. Dinis para reparar os castelos da raia. Isto revela a importância de Quadrazais já nessa época. É natural que a sua população fosse elevada nessa altura. Mas, donde lhe viria essa preponderância? A agricultura seria uma razão? Quadrazais dispunha de largos limites territoriais e tinha alguns bons regadios junto dos ribeiros: Soito Concelho, Galiana, Vinhas, Vale d’Asna, Cova, Telhada, Salgueiros, Costeira, Fontinhas e Pelomes. Mas seria isso suficiente? Não. Em 1758 o abade Paulo Correia da Costa dizia: «Os frutos de maior abundância que se costumam colher nesta freguesia são trigo, centeio, castanha e vinho e de tudo isto pouco por ser país frigidíssimo». O Côa não era, certamente, uma das razões, já que não rodeava campos regadios nem grandes lameiros. Era apenas aproveitado para mover munhos (moinhos).
Sabemos que D. Dinis criou no Sabugal e seu termo um refúgio para homiziados que pudessem povoar a região, que já antes recebera judeus e mouros com a mesma finalidade. Certamente, alguns se fixaram em Quadrazais. Mas não explicariam o facto de ser já um grande povoado com uma igreja com tão elevados rendimentos.
Outras actividades como a caça, a que podemos aliar o curtume de peles (Pelames ou Pelomes), actividade que já demonstrei ter ai existido, dar-lhe-iam vida e rendimentos, tal como o mel, donde os nomes de Meleiro, que nos registos civis transformaram em Moleiro, mas não é apresentada como profissão em nenhum registo paroquial. A castanha era abundante e seria outro elemento de riqueza em Quadrazais. A floresta de cujas árvores faziam carvão seria outra fonte de riqueza, tal como o pastoreio em tão largos limites, com a florescente indústria de queijos. Acresce ainda o elevado número de pessoas de fora que aqui exerciam profissões que os quadrazenhos não gostavam de exercer: barbeiros, carpinteiros, pedreiros, ferreiros, gadanheiros, tosquiadores, ceifeiros, carvoeiros e outras.
Tenho para mim que, em época recuada, no tempo da ocupação mourisca, a extracção de ferro e cobre da sua mina, ainda que não haja provas documentais da sua existência, conjugada com a actividade de almocreve, transportador de mercadorias em animais, actividade que o ambulante quadrazenho, novo nome do almocreve, sempre exerceu e continuou a exercer, teria ocupado boa parte da sua população moçárabe e teria dado riqueza a Quadrazais. Já falei da mina em artigo publicado em Capeia Arraiana em Agosto passado.
D. Fernando permitiu que os homiziados pudessem comercializar pelo país durante seis meses. Provavelmente, muitos quadrazenhos, almocreves já nesse tempo, faziam comércio e daí ser uma fonte de boa riqueza.
Para se perceberem os diversos censos da população, em que freguesias hoje do concelho do Sabugal estavam classificadas em outras comarcas e concelhos, passo a explicar qual era a divisão administrativa de Portugal.
Até ao século XV o Reino estava dividido em 7 Províncias (Minho, Douro, Trás-os-Montes, Beira, Estremadura, Alentejo e Reino do Algarve). Do século XV ao XIX a divisão passou a ser de 6 Comarcas (Trás-os-Montes, Entre Douro e Minho, Beira, Estremadura, Entre Tejo e Odiana (ou Alentejo) e Reino do Algarve) à frente das quais estava um tenente, meirinho-mor ou corregedor.
No século XVI as Comarcas voltaram a ser conhecidas por Províncias. Cada Província tinha umas tantas Comarcas e estas eram compostas por Vilas (mais tarde denominadas concelhos) e seus termos (as actuais freguesias). A Vila do Sabugal e seu termo pertenciam à Província da Beira, Comarca de Castelo Branco e Bispado de Lamego. As Vilas eram Alfaiates, Sortelha, Vilar Maior e Vila do Touro, para além do Sabugal.
No século XVII a Comarca passa a ser uma subdivisão da Província. Na Província da Beira surgem as comarcas de Lamego, Trancoso, Guarda, Pinhel e Castelo Branco. Em 1790 todas as ouvidorias foram transformadas em comarcas, como foi o caso de Trancoso.
Em 1832 as Províncias passaram a chamar-se Prefeituras e as Comarcas Subprefeituras. A Província da Beira foi subdividida em Beira Alta (com as comarcas de Viseu, Lamego e Trancoso) e Beira Baixa (com as comarcas da Guarda, Castelo Branco, Seia e Tomar).
Em 1835 as Comarcas, com algumas alterações, são transformadas em Distritos.
Em 1877 existia o distrito militar ou Partido de Riba Côa. Aldeia da Ponte, Alfaiates, Forcalhos e Rebolosa formavam o concelho (Vila) de Alfaiates, que pertencia à Comarca de Trancoso, tal como Vilar Maior e seu termo.
(Continua.)
Parabéns pelo excelente artigo!
Encontro-me a fazer uma pesquisa genealógica acerca do apelido «Calhim», que pertence a uma família com origem em Quadrazais.
Este apelido é raríssimo e gostaria de saber se figura na gíria quadrazenha.
Antecipadamente grata
Sandra
Dª Sandra,
O nome Calhim aparece em Quadrazais no século XIX. Como aconteceu com outros nomes de família, é provável que tenha começado por ser uma alcunha. Como tal a registei na pág. 76 do 1º volume da minha obra-Para que não se Perca a Memória de 400 Anos de Vida em Quadrazais. Não tem nada a ver com a Gíria.
Nuno de Montemor, em Maria Mim, registou alguns nomes de família e alcunhas de quadrazenhos, mas nã registou Calhim. Registou, porém, Palhim, que eu já não encontrei na minha infância. Em Quadrazais havia também um Poím.
O primeiro Calhim que registei na minha obra foi Manuel Gonçalves Calhim, casado com Maria Gonçalves João, que tiveram 2 filhas O último que registei foi Maria Gonçalves Cabeira Calhim, casada com José Esteves(da Velha), que tiveram 5 filhos. Ela era a 3ª filha de Patrocínia dos Anjos Calhim, casada com António Esteves Bicheiro(Feijão), que eu ainda conheci.
A Srº donde é?
Melhores cumprimentos
Franklim Braga
Prezado Dr.º Franklim Braga, agradeço-lhe os preciosos esclarecimentos.
Irei consultar com todo o gosto a sua obra na Biblioteca Nacional.
A pesquisa que estou a fazer é de teor confidencial, pelo que lhe peço se me pode facultar o seu e-mail para prosseguirmos a conversa.
Antecipadamente grata
Sandra
Dª Sandra,
O meu mail é: fcbraga@sapo.pt
Já vejo que mora em Lisboa. Pelo nome não sei quem são os pais.
Melhores cumprimentos
Franklim Braga
Prezado Dr.º Franklim,
é verdade, resido na área de Lisboa.
Agradeço-lhe o envio do seu contacto.
Atenciosamente