Tal como sucedeu em anteriores campanhas eleitorais, a presente campanha para as eleições autárquicas de 26 de Setembro tem-se traduzido num combate ruidoso, recheado de promessas, de intrigas e de acusações recíprocas, algumas das quais a tocar as raias do insulto, entre os partidos políticos que detêm o poder nos municípios e aqueles que, através do voto popular, pretendem vir a substitui-los.

Como diria o Senhor de la Palice, toda a gente sabe que o objetivo primordial dos partidos políticos é só um: angariar o maior número de votos e ganhar eleições.
Todavia, a questão que os cidadãos livres deste País devem colocar-se, antes de irem às urnas, é procurar avaliar se este objetivo primordial dos partidos políticos será, por si só, bastante para garantir, no período pós-eleitoral, uma boa governação, (ou, como preferem dizer alguns teóricos da ciência política, uma boa «governança») por parte dos candidatos que serão eleitos.
Em primeiro lugar, vale a pena sublinhar que uma boa «governança» está necessáriamente associada a uma forma de governação transparente e que seja capaz de assegurar um justo equilíbrio entre os papéis do Estado, da sociedade civil e da economia. Tanto a nível nacional como a nível autárquico.
Por outras palavras, a avaliação da boa ou da má governação deve ser aferida em função da importância conferida pelos políticos eleitos às populações do território que lhes compete governar. Isto é, aliás, particularmente relevante quando se trata de avaliar a performance dos governantes relativamente aos territórios esquecidos e abandonados do interior do País que tão carecidos têm andado, no decurso das últimas décadas, de uma inovadora e corajosa forma de governar.
Na verdade, a sociedade portuguesa, e em particular os territórios do interior, necessitam, não dos belos discursos que o vento leva…nem de promessas sistematicamente repetidas e sistematicamente não honradas… mas de novas e ousadas práticas de governação, ou seja, da implementação criativa e corajosa de novas políticas que promovam realmente o desenvolvimento económico e social e a coesão territorial do País, tendo em vista a melhoria das condições de vida dos cidadãos.
A boa governação deverá, assim, encarar o território nacional ou local, não apenas como um mero espaço administrativo, mas antes como um sistema dinâmico onde os políticos eleitos, em estreita cooperação com os agentes económicos, sociais e culturais do território em questão, deverão levar a cabo uma atuação concertada, quer definindo estratégias adequadas à promoção do desenvolvimento desse território, quer executando de forma efetiva, e atempada, as medidas capazes de responder cabalmente aos legítimos interesses das populações.
Neste contexto, é bem de ver que a premissa essencial do êxito de uma boa governação passa, antes de tudo, por uma escolha adequada e exigente dos atores políticos. Para isso servem as eleições que se avizinham.
Infelizmente, contudo, é sabido que, salvo raríssimas excepções, as escolhas políticas e eleitorais são tomadas em função dos critérios impostos pelas cúpulas dos partidos políticos e não, como seria desejável numa democracia já adulta como a nossa, em função dos méritos, das competências técnico-profissionais e das qualidades cívicas e éticas dos candidatos que se apresentam ao sufrágio do eleitorado.
As eleições autárquicas aproximam-se. São milhares de candidatos para milhares de cargos executivos nos Concelhos, nas Assembleias Municipais e nas Freguesias deste País. Uma vez eleitos, esses candidatos passarão a decisores políticos que irão gerir milhares de milhões de euros de despesa pública nacional e dos fundos comunitários, que irão decidir, em boa parte, o valor dos impostos (designadamente IMI e IRS) bem como as taxas de toda a ordem que os munícipes e as empresas irão pagar. Em suma, irão tomar decisões que afetarão a vida dos munícipes.
Nestes termos, qualquer eleitor que se considere exigente, responsável e consciente da utilidade do seu voto, não deveria limitar-se a colocar uma cruzinha nas escolhas previamente impostas pelas cúpulas dos partidos. Ao invés, antes de irem votar, os eleitores deveriam refletir seriamente sobre o conteúdo dos programas dos candidatos autárquicos que se apresentam às eleições. Sobre as suas competências e experiência técnico-profissionais. E sobre as suas qualidades cívicas e éticas devidamente comprovadas no passado.
Só assim se poderá contribuir para garantir que, uma vez eleitos, esses candidatos irão estar à altura das responsabilidades dos seus cargos, através de boa gestão das medidas indispensáveis ao desenvolvimento económico, social e cultural do seu município ou da sua freguesia, nos próximos quatro anos. Essa reflexão poderá passar por uma avaliação do posicionamento concreto dos candidatos autárquicos nomeadamente em relação a algumas das questões que passo a enunciar:
Gestão municipal – Que melhorias na gestão municipal tencionam os diferentes candidatos autárquicos introduzir para, com os mesmos impostos, conseguirem oferecer mais serviços, ou, com menos impostos, conseguirem manter o bom funcionamento dos que já existem?
Qual a dimensão da despesa municipal que pretendem implementar?
Qual o número de funcionários verdadeiramente necessários para assegurar as tarefas relativas ao funcionamento dos diversos serviços do município?
Quais as medidas a tomar para organizar e para aumentar a produtividade dos serviços camarários, reforçando os recursos humanos daqueles onde tal se revele necessário e cortando naqueles onde há recursos excedentários?
Quais as medidas concretas para diminuir a burocracia e para agilizar a tomada das decisões camarárias e em particular a atribuição de licenciamentos para os setores produtivos?
Política fiscal – Os municípios têm um conjunto variado de receitas fiscais, mas há sobretudo duas (IRS e IMI), que recaem sobre os munícipes relativamente às quais têm alguma autonomia para determinar o agravamento ou o alívio fiscal. Assim sendo, aquilo que todos os candidatos autárquicos deveriam esclarecer diz respeito às medidas que pretendem tomar neste domínio, durante o próximo mandato.
Para além do IRS, a política fiscal autárquica que afeta os munícipes tem a ver com a escolha da taxa do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI). Este imposto é uma importante receita fiscal de qualquer município e, ao contrário do IMT (cujas taxas são definidas pela Assembleia da República), no caso do IMI existe uma margem de manobra dos municípios na escolha da taxa aplicável aos prédios urbanos.
Pretendem os candidatos autárquicos que se apresentam a eleições manter, aumentar ou reduzir a carga fiscal sobre os munícipes? De que forma? Com que objetivos?
Políticas de incentivo ao emprego – Que propõem fazer os candidatos autárquicos com vista à criação de emprego no concelho, durante o próximo mandato?
Se é verdade que quem cria emprego são as empresas, as autarquias podem facilitar ou, ao contrário, tornar-se um obstáculo à criação de emprego no concelho.
Há vários impostos municipais que incidem sobre as empresas, em particular a derrama, que dependem de deliberação da Assembleia Municipal. Que taxas de derrama pretendem os candidatos autárquicos aplicar nos próximos quatro anos?
Há, por outro lado, muitas taxas que incidem sobre as empresas e cujo montante é igualmente deliberado em Assembleia Municipal, a que acresce um vasto rol de licenças e de vícios burocráticos que condicionam e entravam fortemente o investimento económico nos territórios dos diferentes municípios.
Que políticas de incentivo ao emprego e à atração de empresas se propõem os candidatos autárquicos levar a cabo, nos próximos quatro anos?
Ambiente e mobilidade – Quais as principais medidas propostas pelos candidatos para o combate às alterações climáticas e para a promoção de um desenvolvimento sustentável no concelho?
Importa compreender que este combate se ganha ou se perde, antes de tudo, no território autárquico. Ora, este combate exige a adoção de uma multiplicidade de objetivos. E de indicadores que podem ser utilizados para monitorar a prossecução desses objetivos.
Mais do que generalidades ou de objetivos vagos sobre o ambiente e a mobilidade (uso do automóvel, eficiência energética, reciclagem, política de transportes…) aquilo que é preciso ouvir dos candidatos é um bom diagnóstico da situação actual dos respetivos concelhos, nestas áreas, e uma clarificação das medidas concretas que eles defendem para os próximos quatro anos. Neste sentido, a especificação e quantificação dessas medidas podem ajudar os eleitores a avaliar se as promessas eleitorais dos candidatos nestes domínios se ficam, como em tantos casos sucede, ou não, por meras generalidades e ideias aproximativas.
Políticas para os mais vulneráveis e para os jovens – A intervenção autárquica é também importante para enfrentar com sucesso as diculdades dos segmentos da população mais vulneráveis, designadamente dos idosos, das famílias monoparentais pobres, dos desempregados, bem como dos jovens que iniciam a vida activa.
Que medidas são propostas pelos vários candidatos (apoios sociais, política fiscal, emprego, transportes, acesso à internet…) neste domínio? Que resultados esperam alcançar com essas medidas?
Ética, transparência e corrupção – Para além do conhecimento que devem ter do mérito dos candidatos autárquicos, das suas competências e experiência técnico-profissionais e das suas qualidades cívicas e éticas, é essencial que os eleitores saibam quais as políticas que os candidatos autárquicos tencionam adotar para melhorar a transparência na gestão do respetivos municípios e a informação a prestar aos munícipes, durante os próximos quatro anos.
A temática da transparência tem várias dimensões. Uma dessas dimensões relaciona-se com a legislação aprovada na Assembleia da República relativa às obrigações declarativas dos titulares de cargos políticos e públicos. Que pensam fazer os candidatos autárquicos para implementar esta legislação no quadriénio que se segue?
Que ideias têm sobre a transparência nos processos de contratação pública e nos ajustes diretos? E sobre os processos de licenciamento camarário?
Como pensam melhorar a informação dos cidadãos sobre as inúmeras taxas municipais pagas pelos munícipes e pelas empresas, através da clarificação dos seus valores e da sua fundamentação económico-financeira, tal como é exigido pela legislação atrás citada?
Que medidas tencionam os candidatos tomar para prevenir a corrupção, por exemplo, nas situações em que as decisões camarárias podem criar mais-valias de centenas de milhar ou de milhões de euros, como por vezes tem sucedido?
Como se pode ver do exposto, existe um grande número de questões concretas que podem e devem ser avaliadas pelos eleitores relativamente ao perfil dos candidatos autárquicos que concorrem às eleições do próximo dia 26 de Setembro.
Nos diferentes domínios da gestão municipal, é por conseguinte necessário conhecer a estratégia dos candidatos às eleições autárquicas e saber o que estes se propõem fazer, se forem eleitos.
Os eleitores não deverão contentar-se com respostas vagas ou com meras declarações de intenções dos candidatos. Pelo contrário, deverão exigir destes a fixação de objetivos, de indicadores e de medidas concretas, para poderem avaliar se esses candidatos merecem ou não ser eleitos no ato eleitoral que se avizinha.
É deste modo que se ajuda a construir a democracia local.
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«Portugal e o Futuro», opinião de Aurélio Crespo
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Julho de 2020.)
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