Naquele Agosto de 1965, a minha aldeia voltara a ter gente, muita gente!… Quase tanta como de antanho!
Os jovens montaram os burricos e vá de irem de milheiral em milheiral de seus avós e tios para ajudar a colher as espigas maduras. Depressa se prepararam algumas desfolhadas para aqueles lindos serões de lua cheia, de quinze a vinte desse mês, antes dos emigrantes partirem.
Era de novo a festa de memórias e saudade! Já terminara o domingo da Senhora dos Milagres e a capeia de segunda-feira. Agora, era a vez do convívio mais íntimo, mais familiar e mais desesperadamente embrenhado em saudade e fugidio. Estavam as «vacances» a terminar e cada minuto contava para reatar amizades e carinhos deixados em cartas longas, lidas e relidas vezes sem conta e até…. decoradas na memória e no coração.
E houve desfolhada no balcão do ti Zé Francisco, no do ti António da Felisbela, no do ti Adérito, eu sei lá mais aonde. As gargalhadas pareciam ainda mais estridentes para abafar a angústia de se sentir o tempo a voar.
E houve milho rei, abraços e beijos. Houve rostos ruborizados de amor. Houve toque de violas, realejos e concertinas. E o coro das vozes lindas e afinadas da minha aldeia entoaram cantigas raianas, aquelas cantigas com que, desde crianças, enchíamos currais, quelhes e ruas. Não faltou nunca o lindo hino «Aldeia do Bispo, avante…»
Em vez das bicas doces, do presunto e queijo fresco e das «galhetas» de Navas Frias, agora havia «gâteaux» trazidos de França.
Já não havia cabelos entrançados, lenços coloridos, aventais de peitilho!.. As «bluejeans» deram lugar às calças de pana, as boinas bascas eram só para as cabeças de quem teimava em ficar no seu terrão natal.
Por mais que se quisesse manter a «nossa» aldeia… tudo mudara!
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«Gentes e lugares do meu antanho», crónica de Georgina Ferro
(Cronista no Capeia Arraiana desde Novembro de 2020)
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Lembro-me bem das cenas descritas aqui de forma magistram! Obrigado Georgina!