A Ribeira da Pega desenha-se-me na memória sob a forma de um regato que, paulatinamente, se curva na base do Monte do Jarmelo e que se vai extrapolando ao descer, em ziguezague, o meu pequeno mundo, até ao norte de Pinhel. Confundem-se finalmente as sua águas com as da Ribeira das Cabras tal como se ambas as correntes se abraçassem mutuamente.
Pelo caminho, vai-se distendendo sobre chãos de natureza, implantados de vegetabilidade selvagem, algo distante de qualquer negro de alcatrão. Sob céus de azul claro agasalha-se em tons de verde e espelha brilhos dourados.
A Pega cresce, portanto, nos biqueiros do Monte e segue regando o meu ser enquanto sulca o meu pequeno mundo.
Desde petiz que, em épocas de estio, chego a este deslumbre encharcado de suores, sufocado de cansaços.
Os verdes claros, refletidos nas águas, sugerem-me frescuras e cedo me habituei ao conforto da sombra espessa dos freixos. Inebria-me o odor forte das terras cruas. Seduz-me a passarada com os seus cantares alegres e fugidios.
Vejo nos limos o refúgio dos peixes que, pequenos e velozes , escolhem o pôr-do-sol para, olvidados de perigos, fruir nos charcos, tal qual miúdos em brincadeira.
Nos verões quentes as rãs iniciam saraus cantantes e prosseguem, noite dentro, produzindo musicalidades de arrebatamento.
E há as levadas. Elas tentam, em sons repetidos, mover mós de moinhos que se fizeram estáticas face à ausência de grão.
Vivi e revivo, por aqui, os melhores momentos de uma infância feliz.
Não me entristeço, pois, perante o que observo e espero da natureza que se não feche em desesperos. Desejo, antes, que ela se abra a provires de beleza. Na verdade, nada vindo dela é novo nem, tão pouco, acaba. Sabemos bem que tudo se transforma.
Repito, sim, estas visitas fixando passados, serenando futuros e querendo crer que este meu mundo se não tinja de tristeza permanecendo formoso porque só a beleza o preservará.
:: ::
«Terras do Jarmelo», crónica de Fernando Capelo
(Cronista no Capeia Arraiana desde Maio de 2011)
:: ::
Leave a Reply