Edgar Morin sempre me surpreendeu pela sua audácia, pelas suas teorias visionárias, pelo seu saber, pela capacidade e coragem em fazer ruturas no preciso momento histórico. Neste mês de Julho, no dia 8, festejou cem anos de vida!
À monumentalidade da sua obra, junta-se o portento da sua vitalidade física e mental. Ao vê-lo há dias numa entrevista que deu na emissão «La grande Librairie», dei-me conta da sua ainda grande solidez intelectual. Sempre lúcido, não hesitava em nenhuma palavra, respondia a tudo, com a maior profundidade e muita graça. Era, de facto, cativante!
O primeiro contacto que tive com Edgar Morin foi ao ler o livro que escreveu nos finais dos anos 80, «Vidal et les Siens», onde retraça a vida de seu pai, Vidal Nahoum, nascido a 1884 em Salónica. Neste livro, Edgar Morin descreve o complexo itinerário das gerações que o precederam, debruçando-se sobre a pluralidade dos caminhos percorridos, mas que se reagrupam na família que se une e se diversifica, apercebendo-se das situações unas e múltiplas, tal como se apresentam, finalmente, na vida de cada um. Os seus antepassados teriam vindo de Espanha de onde foram expulsos em 1492 pela Isabel, a Católica, refugiando-se na comunidade sefardita de Salónica, (hoje Tessalónica, na Grécia) cidade do império otomano que acolheu um grande número de judeus provenientes de Espanha e de Portugal. Consciente desta situação, o então Primeiro Ministro espanhol, Filipe Gonzalez propôs-se atribuir a Edgar Morin a nacionalidade espanhola.
Cedo, na escola francesa, começou a observar a complexidade do mundo que o rodeava: na classe que frequentava havia católicos, protestantes, maçónicos e alguns judeus que não eram bem vistos pelo clima de antissemitismo que começava a sentir-se na sociedade francesa. Mais tarde, em 40-45, experimentou o ódio que moveu a guerra aos judeus, alistou-se na Resistência aos vinte anos de idade e tomado o pseudónimo de Morin, pondo em risco a sua própria existência, mas tinha consciência de que não tinha outra solução.
Tenta descobrir os motivos do seu judaísmo, em 1965, em Israel, onde viveu durante algum tempo, mas fica indignado com o ódio existente entre judeus e árabes. Os artigos que escreveu no Le Monde sobre as contradições existentes em Israel valeram-lhe ter sido apodado de antissemita pelos seus, mas pouco lhe importou, pois continuou a definir-se «como pós-marrano, filho de Montaigne (de ascendência judaica) e de Spinoza, anatematizado pela sinagoga».
A obra de Edgar Morin é imensa, mais de 60 livros! Neles são abordados toda a complexidade do mundo, una e múltipla, ao mesmo tempo. O seu lema era: é necessário viver e não sobreviver, como repetiu em maio de 68. Viver quer dizer, avançar, procurar caminhos na incerteza e na imprevisão, na felicidade e na infelicidade. Como grande conhecedor de Hegel, sabia que todas as contradições são fontes de sínteses e de soluções.
Edgar Morin analisa ainda as suas experiências políticas até à recente crise da Covid-19, que só é possível compreender através da sua teoria da complexidade e da problematização das situações, que alimentam a dúvida, o que para ele é um estado constante de espírito, única maneira de o desintoxicar.
Com a lucidez dos seus 100 anos de existência, afirma que a vida é ao mesmo tempo um presente e um peso, maravilhosa e terrível. «Por vezes encontro-me esmagado pelo amor e pela crueldade da vida, mas acredito sempre na bondade amorosa».
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«Pedaços de Fronteira», opinião de Joaquim Tenreira Martins
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Novembro de 2012)
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