:: :: JOSÉ CARLOS MENDES :: :: No primeiro episódio o António Emídio «apresentou-nos» a família do Luís do Sabugal quando este se preparava para ingressar no Outeiro de São Miguel. Na «terceira temporada» o José Carlos Mendes fala-nos da emigração para França… (Capítulo 3, Episódio 3.)

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HISTÓRIAS DA MEMÓRIA RAIANA
Capítulo 3 – Episódio 3
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JOVEM PORTUGUÊS INTEGRA-SE NA SOCIEDADE FRANCESA E ANDA FELIZ
Apesar de já «definitivamente» instalado na sua nova situação de emigrante em Dijon (França) e com trabalho qualificado e bem pago, o Balé Narciso Nobre, do Casteleiro e filho de pai «alfaiatenho», não quis deixar de manter o contacto com o Sr. Luís, até porque o seu pai lho recomendava sempre: «Olha, tu respeita este senhor que sempre gostou de nós lá em Alfaiates, tá bem?»
E o Balé assim faz…

Carta de agradecimento de Balé para o Sr. Luís
Senhor Luís,
Veja como é bonita a minha terra. Esta fotografia do Casteleiro mostra as cores e especialmente o verde da minha aldeia.
Tenho muito orgulho em ter nascido aqui, nesta planície entre montanhas. Sei que as terras da Raia são muito bonitas, mas acho que a minha também não lhes fica atrás. Concorda, Sr. Luís?
Folgo muito em lhe escrever esta carta grande porque a minha vida deu agora mais um pulo forte e estou a ganhar bem melhor do que na última carta que lhe mandei.
Mas antes de mais, permita que recorde as suas palavras, no bonito postal que me mandou no mês passado, e que dizia assim:
«Caro Balé,
Desculpa chamar-te assim, mas já que tu disseste que na tua terra te tratam assim, assim te trato também.
Pois bem, antes de mais, quero dizer-te que me lembro muito bem do teu pai, Narciso, e do teu tio, o acordeonista das nossas aldeias todas.
Depois, digo-te que folgo em saber que estás a resolver bem a tua vida aí na França.
Pelo endereço que me enviaste, em Dijon, estás portanto muito longe de Paris. Mas se trabalhas no que gostas e te pagam bem como dizes, o que importa é isso.
Desejo-te que tudo te continue a correr bem.
Dá os meus cumprimentos ao teu pai e ao teu tio e também para ti, deste que se assina
Luís»
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Senhor Luís,
Gostei muito deste seu postal. É mais uma maneira de me manter ligado às nossas bonitas terras. Hoje queria nesta carta contar-lhe a minha vida agora bem melhor e já organizada aqui por estas terras de França….

…Depois de dois meses a viver num bidonville de Paris, e de uma carrada de desgraças pois não estava habituado a trabalhar na construção civil, fui ajudado por um amigo do meu pai, que veio comigo e muito me ajudou durante a passagem a salto, a atravessar a Espanha toda a pé, depois de me ajudar e ele e outros lá da terra (do Casteleiro, como o Sr. Luís sabe), tive sorte, outro amigo do meu pai que trabalhava na SNCF (Société Nationale des Chemins de Fer de France) – que é a CP cá do sítio. Esse amigo do meu pai arranjou-me lá trabalho. Sempre era melhor do que andar nos andaimes dos prédios em obra. Mas na SNCF não julgue que era fácil: muitas vezes queriam que a gente carregasse com os carris e com aquela espécie de caibros gigantes com que se fazem as linhas para os comboios passarem.
Mas já deu para comprar um carro. É uma catrel da Renault.
Mas sempre lhe digo que na SNCF era demais.
Ninguém imagina a dureza e o esforço físico destes trabalhos.
Estive lá mais três meses, mas agora despedi-me porque outro «compagnon de route», como eles aqui falam, arranjou-me para ir para uma grande, muito grande empresa em Dijon que trabalha com a Argélia e a Líbia, a Tunísia e até com Marrocos.

…Fazem túneis e grandes obras de engenharia para a tropa e abrigos gigantescos para protecção dos civis e das populações daquelas zonas em guerra permanente há já alguns anos, depois das independências.
Assim, Sr. Luís, daqui por seis dias, na semana que vem, vou para Dijon e toda a gente me diz que tive uma grande sorte pois naqueles trabalhos fora da França ganha-se muito bem – só é preciso é ter todo o cuidado, não vá uma bomba ou um morteiro cair ali onde a gente está.
Mas não há-de ser nada.
Sr. Luís,
Por hoje é tudo. Darei notícias logo que possa.
Receba os meus respeitosos cumprimentos.
Deste que se assina
Balé Nobre, do Casteleiro.

Quem é o Senhor meu Pai, Narciso Nobre?
Acabo de receber outra carta sua e vou responder. Nas sua carta dizia o Senhor Luís assim:
«Caro Jovem Balé, do Casteleiro,
Recebe da minha parte os melhores cumprimentos.
Folgo em saber que a vida te vai correndo bem aí nas terras de França.
Oxalá que tudo assim continue e que cada vez estejas melhor.
Agradeço a tua resposta.
Como já te disse, lembro-me dos Nobres de Alfaiates, mas, sinceramente, há muito tempo que pouco sei deles.
Podes dizer-me o que é feito?
Olha que eu conheço o Casteleiro e conheço algumas pessoas de lá.
Recebe os meus mais sinceros cumprimentos,
Luís.»
E a minha resposta, que lhe dou com todo o prazer é a seguinte:
Senhor Luís,
Com todo o respeito, aqui lhe vou responder sobre como tem andado o meu – do meu tio pouco sei também, pois já não vai ao Casteleiro e eu quase não vou a Alfaiates.
Quanto ao meu pai, ele cá anda, já velhote mas bem bom.
Faz a sua vida no Casteleiro e arredores.
De certeza que já ouviu dizer que há lá um senhor que faz as barbas e corta os cabelos, mas que também trata dos dentes quando estão a cair e que até dá medicamentos e receita o que é preciso quando os garotos ou os pais estão doentes e não há médico por perto.
Pois essa é a vida de todos os dias do meu Pai.
A todos ajuda e está sempre em contacto com os médicos da zona, sobretudo com o Dr. Salgueiro, de Caria.
Aquilo funciona sempre, porque o meu Pai tem um grande livro onde estuda tudo e depois receita e o médico diz sempre que foi muito bem receitado o medicamento que o meu Pai mandou tomar. Está a ver?
Todas as pessoas do Casteleiro gostam muito dele.
Receba mais uma vez os meus cumprimentos,
Deste que se assina
Balé Nobre, já em Dijon – a 350 km de Paris, para Sul.
Dijon, França, 20 de Junho de 1966
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José Carlos Mendes
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Os episódios das «Histórias da Memória Raiana» são escritos semanalmente por um autor diferente. Participaram na «primeira temporada»: António Emídio, Fernando Capelo, José Carlos Mendes, Ramiro Matos, António José Alçada, Franklim Costa Braga, António Martins, António Alves Fernandes, Joaquim Tenreira Martins, Georgina Ferro e José Carlos Lages.
Na «segunda temporada» continuam a saga o António Emídio, Fernando Capelo, José Carlos Mendes, António José Alçada, Franklim Costa Braga, António Martins, António Alves Fernandes, Georgina Ferro e José Carlos Lages.
Nesta «terceira temporada» o José Carlos Mendes dá-nos notícias do Balé Narciso Nobre…
Total de episódios publicados: 23.
Apesar de fazer referência a nomes e lugares verdadeiros da região raiana dos territórios do Sabugal esta é uma obra de ficção e qualquer semelhança com nomes de pessoas, factos ou situações terá sido mera coincidência (ou talvez não!)
José Carlos Lages
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