Os passos de uma investigação em que, em vários momentos desta caminhada, as certezas de ontem transformaram-se em dúvidas de hoje!… Afinal o padre tinha filhos!? (Parte 1 de 2.)
Passo 1
Submeti o pedido antecipado de consulta dos Registos de Óbitos de Penalobo, com 48 horas de antecedência, conforme os regulamentos do Arquivo Distrital da Guarda, para dia 9 de Abril, sexta-feira, pelas 14 horas.
Quando cheguei os livros já estavam disponíveis para consulta. Comecei pelos mais recentes. Na minha frente surge o assento de óbito do Padre João Nunes de Paula e tirei as notas seguintes:
«1901 – Assento n.º 11 -– Óbito do Padre João Nunes de Paula, no dia 3 de Setembro, tinha oitenta e cinco anos, natural do lugar; viúvo de Maria da Ascensão, filho de Manuel Nunes e Catharina Nunes… deixou filhos maiores…»
Primeira surpresa – Afinal o padre tinha filhos!?
Passo 2
Entusiasmado com a descoberta vou investigar as origens!
Se em 1901 tinha 85 anos, deverá ter nascido em 1816. Eis o seu registo de batismo:
«Anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e dezasseis foi solenemente baptizado João filho legítimo de Manuel Nunes natural do lugar de Pennalobo, e de sua mulher Catarina Nunes natural da Quinta das Lameiras, freguesia de Pouzafolles; he nepto via paterna de Jerónimo Nunes e de sua mulher Maria Luís também naturais deste mesmo lugar, via materna Manuel José de Paula, da sobredita Lameiras, e de sua mulher Maria Nunes da Quinta de Vale de Nicolau, desta mesma freguesia. Nasceo aos vinte e dois dias de Janeiro de mil oitocentos e dezasseis e foi solenemente baptizado em o sobredito dia oito de Fevereiro do mesmo anno. Forão Padrinhos José Nunes de Paula e sua mai Josefa Nunes, do Montenovo, e testemunhas Francisco de Paula das Lameiras e Manoel Pires deste lugar para constar faço este hoje dia mez e anno ut supra.
Paroco José Carlos Martins
Francisco de Paula – Manoel Pires» (1)
Passo 3
Aproveito o fim-de-semana para consultar «Terras de Ribacôa – Memórias sobre o Concelho do Sabugal», de Joaquim Manuel Correia, que refere o seguinte na página 199:
«Era natural desta freguesia o P.e João Nunes de Paula, que durante muitos anos paroquiou a freguesia. Era casado e, tendo-lhe morrido a mulher, foi estudar e dedicou-se à vida eclesiástica. O atual pároco é filho de uma sua filha e, portanto, neto do falecido.»
Segunda surpresa – Mas, afinal, quantos filhos teve o Padre João Nunes de Paula?
Passo 4
Tendo por base as informações recolhidas, deverá ter casado entre 1835 e 1840. Vou pesquisar… Casamento de João Nunes:
«Aos doze dias de Outubro digo Novembro de mil e oitocentos e trinta e hum nesta parhochial igreja de Pennalobo freguesia de S. Nicolau, Arciprestado de Penamacor, em minha presença e das testemunhas abaixo assinadas se receberão com palavras de presente sendo primeiramente pronunciadas na forma do Sagrado Concílio Tridentino e Constituições deste Bispado da Guarda João Nunes de Paula com Maria Gonçalves da Censão ambos solteiros naturais deste lugar de Penalobo freguesia de S. Nicolau e para constar fiz este termo que assino juntamente com as testemunhas António Mendes Gonçalves e Ignácio Gomes dia mez e anno ut supra.
Cura Francisco José de Paula
António Mendes Gonçalves
Ignácio Gomes»
O texto não identifica os progenitores e respetivos avós paternos e maternos! Trata-se de um caso invulgar nos registos desta época!
Terceira surpresa – Que motivos podem justificar esta singularidade?
À luz dos valores da nossa sociedade e da experiência de vida é surpreendente o fato de o nubente ter 15 anos, faria 16 em 22 de Janeiro do ano seguinte!
Passo 5
Procuro os filhos do Padre João Nunes de Paula. Batismo da Filha:
«Maria filha legítima do primeiro matrimónio de ambas as partes de João Nunes e de sua mulher Maria da Censão ambos naturais deste lugar de Penalobo, freguesia de S. Nicolau, neta via paterna de Manuel Nunes, natural de Vale de Nicolau e de sua mulher Catarina Nunes natural de Penalobo, ambos desta freguesia de S. Nicolau, via materna de João Leal natural de Penalobo e de sua mulher Isabel Gonçalves natural da Quinta das Lameiras, freguesia de São Salvador, do lugar de Pousafoles, Bispado da Guarda, Arciprestado de Penamacor, nasceo aos dezanove dias do mez de Janeiro de mil oito centos e trinta e quatro e foi solenemente batizada por mim abaixo assinado aos vinte e seis dias do mesmo mez e anno e forão padrinhos José de Paula e sua mulher Roza… ambos residentes na freguesia de São Salvador, no lugar de Pousafoles e mais testemunhas Francisco de Paula e José Nunes e por isto ser verdade fiz este termo que assino dias mez e anno ut supra.
O padre Cura Francisco José de Paula.»
Foi a confirmação da informação existente no livro de Joaquim Manuel Correia.
Também ficámos a saber os nomes dos progenitores da Maria da Censão, que no Registo de Casamento, supracitado, era Maria Gonçalves da Censão!
Passo 6
Agora vou procurar o registo de batismo da esposa de João Nunes. Em 1806 encontrei este registo:
Maria da Sincão filha de João Leal da Lusinha (?), natural, morador, que foi nesta freguesia de S. Nicolau, do lugar de Penalobo, e de Izabel Gonçalves natural da quinta das Lameiras, freguesia de Pousafolles o Bispo. Netta via paterna de António Leal natural desta freguesia, e de Izabel João natural da freguesia de Pousafolles, via materna de Domingos Gonçalves da Polónia e de Marta Mendes naturais e moradores na quinta das Lameiras freguesia de S. Salvador do lugar de Pousafolles. Nasceo no dia quinze de Maio e foi batizada no dia vinte e cinco do mesmo mez, da era de mil oitocentos e seis anos por mim Padre Jorge José Barandas cura atual desta freguesia de S. Nicolau. Forão Padrinhos António Mendes…
Mais uma surpresa! Sendo assim, Maria da Censão tinha mais dez anos que o marido João Nunes!
Nota de Rodapé
1 – Arquivo Distrital da Guarda, Registos de Batismo de Penalobo.
(Continua.)
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«Memórias de Sortelha», opinião de António Gonçalves
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2019)
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