Conheci os Foios, era eu ainda criança. O meu pai, alfaiate em Vale de Espinho, levava-me no seu cavalo até esta bonita aldeia. Ao olhar para a Serra das Mesas e para a Serra da Malcata, cuja cordilheira tem ali o seu início, parecia-me que o mundo acabava nesta aldeia.

Aliás, o meu pai, quando me anunciava que íamos aos Foios, raramente designava a aldeia pelo seu verdadeiro nome. Preferia dizer: «Vamos ao calcanhar do mundo.»
Ora, segundo o nosso amigo, o Professor Zé Manel Campos, agora o mundo começa nos Foios.
Após um café em frente do Centro Cívico, que o próprio Professor fundou e onde já assisti a vários eventos e também aonde eu próprio abordei, num encontro de escritores, em 2007, o tema da 3.ª invasão francesa e sobretudo a batalha do Sabugal, onde estavam presentes os nossos saudosos amigos, que Deus lhes fale na alma, Pinharanda Gomes e Manuel Rito, e que fez vibrar o patriotismo do poeta e ativista Professor Corceiro, o cicerone Zé Manel disse-me, vamos até à Piscina.
À pé, e conversando, íamos lembrando os saudosos amigos que o meu pai visitava e que também marcaram esta aldeia: a senhora Teresa, esposa do negociante em contrabando que era bem conhecido nas redondezas, o designado Tonho Zé Casanova, a Dona Marizé, irmã do também saudoso padre Zé Maria que paroquiou a aldeia de Vale de Espinho onde deixou boas sementes no sentido estrito e lato da palavra.
Nesta época do calendário, preparam-se as piscinas. E lá estava o presidente da Junta, António Lucas e a sua equipa, com as mangas arregaçadas, a varrerem o fundo da piscina para a colocarem em estado de bom funcionamento, já que Foios é terra de emigrantes que não vão deixar de estar presentes nesta quadra do ano, provenientes dos quatro cantos do mundo.
O Professor Zé Manel Campos mostrou-me, com o maior orgulho, os apoios ao lado da piscina, com bares, grandes mesas para piqueniques, informando-me que tinha tirado o modelo para os lados de Sintra e comprometeu-se, aquando da então sua presidência da Junta de Freguesia, a mandar construir coisa semelhante, mas em granito que abunda na Serra das Mesas. Mesmo sem planta de arquiteto, o espaço ficou num estilo tosco de montanha, sóbrio, mas com muito bom gosto. É, de facto, um espaço de lazer muito bem conseguido, aproveitando as águas cristalinas do rio Côa que tem a sua nascente a uma centena de metros deste aprazível lugar.
Subimos a Rua do Barroco e ainda encontrámos um ou outro Calabandeiro, nome deveras saboroso para designar os habitantes de uma ou outra das margens do rio Côa, e íamos admirando as casas que pouco a pouco foram reabilitadas quer para habitação sazonal, quer para turismo local. Fez-me notar que Foios está a ser cobiçado por estrangeiros que ali quiseram instalar-se de maneira permanente. Falou-me de um casal de cubanos e de um outro proveniente da Escócia. O italiano não chegou a concretizar a compra de casa.
Segundo o Zé Manel Campos, os fojeiros levam a sério o intercâmbio e o convívio com os nuestros hermanos. As aldeias dinâmicas da Sierra de Gata vêm procurar os produtos portugueses nos três supermercados que se encontram na praça central, assim como os pratos de bacalhau ou do cabrito assado na brasa no restaurante El Dourado da Ramitos e do Joaquim. Nota-se uma grande camaradagem entre os povos fronteiriços. Não foi necessário ir à escola para aprender o castelhano. O convívio foi da melhor ajuda!
Nesta aldeia percebeu-se há muitos anos que a fronteira tinha sido uma invenção dos poderes centrais de Lisboa e de Madrid. Muito antes da entrarmos no Mercado Comum, já estes povos praticavam o comércio sem taxas aduaneiras, contrabandeando todo o género de produtos. Com estas práticas a fugir constantemente aos guardas-fiscais e aos carabineiros, estavam já a anunciar o novo modelo da União Europeia que, tão absurdo que era antes, já temos dificuldade em explicá-lo aos nossos netos.
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«Pedaços de Fronteira», opinião de Joaquim Tenreira Martins
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Março de 2013.)
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Obrigado, meu caro e bom amigo. Este era um termo que não conhecia, mas, como disse, encontro verdadeiramente saboroso. Abraço.
Muito interessante cronica do amigo Tenreira. E a dos calabandeiros tem que se lhe diga.