:: :: ANTÓNIO EMÍDIO :: :: No primeiro episódio o António Emídio «apresentou-nos» a família do Luís do Sabugal quando este se preparava para ingressar no Outeiro de São Miguel. Após a «segunda temporada» é tempo de dar início à «terceira». Esta semana o António Emídio recorda a «fuga para ir ao Circo». (Capítulo 3, Episódio 1.)

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HISTÓRIAS DA MEMÓRIA RAIANA
Capítulo 3 – Episódio 1
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A FUGA
O Luís entrou pelo portão principal do Outeiro de São Miguel convicto que seria o último ano pois iria fazer todos os possíveis para acabar o quinto ano.
Sentia que necessitava forçosamente de um outro tipo de ensinar e de uma outra maneira de aprender, já chegava de tanto decorar, só com o decorar não chegaria a lado nenhum, aprendia História com um professor que há cinquenta anos tinha aprendido o que estava agora ensinando. O problema todo estava no sistema de ensino.
Tinha falado com o irmão António, e possivelmente iria para França trabalhar e estudar. Em Paris havia um colégio frequentado única e simplesmente por emigrantes idos da Jugoslávia, da Espanha, da Argélia, Portugal, e outros países. Alguns eram exilados políticos. O sonho dele era um dia entrar na Sorbonne, a catedral do conhecimento e do saber, pelo menos lá não tinha de prestar contas a um semelhante seu por questões religiosas, como acontecia em Portugal! Seria livre!
Já no dormitório, pôs a mala em cima da cama e começou a arrumar a roupa no armário. Nem se apercebeu que um colega chegou junto dele, cumprimentaram-se, conversaram um pouco sobre as férias do Verão e o companheiro de dormitório perguntou-lhe:
– Queres ir ao Circo esta noite?
– Ao Circo? Como? – perguntou o Luís.
– Está um Circo na Guarda, tem umas gajas boas que eu já as vi!…
– Onde as viste?
– Antes de vir para aqui passei lá! Começa às nove da noite.
Depois de pensar uns instantes o Luís respondeu-lhe:
– Vou, mas é preciso ter cuidado !
– Não vai haver problemas, já planeamos tudo!
Tudo estava planeado, e bem.
Iam quatro. Sairiam pela janela do dormitório, com uma corda feita de lençóis, depois iriam por uns caminhos paralelos à estrada, evitando-a, pois podia alguém passar e conhecê-los. O problema residia na vinda. Ficariam os lençóis pendurados na janela até eles virem? Impossível! Foi então encontrada uma solução. O aluno que tinha a cama junto à janela ficaria com uma guita negra presa ao pulso e lançada pela janela até um metro do solo, dormiria tranquilo, e quando chegassem os fugitivos, estes puxariam pela guita, o braço do «sentinela» mesmo que este estivesse a dormir levaria um belo esticão! Convêm dizer que o «sentinela» ganharia um maço de tabaco.
Com tudo planeado, uma hora depois os fugitivos foram para a Guarda a pé! Quando lá chegaram já o espectáculo estava a terminar, mas ainda viram umas pernas às contorcionistas e às trapezistas. Não perderam tudo!
Saíram do Circo e foram beber uns copos e fumar uns cigarros, tinham a noite toda por conta deles, assim pensavam…
À saída de um bar, já passava da meia noite, viram e ouviram uma Tuna Académica cantar junto a uma janela, e feitos papalvos ali ficaram até que os tipos da Tuna começaram a correr cada um para seu lado. Não deu tempo para nada, nem para esboçar a fuga! Estavam os quatro rodeados de agentes da polícia. Claro! Os agentes viram perfeitamente que quem cantava não eram estes quatro, mas mesmo assim era necessário averiguar o que faziam ali tipos menores de idade aquelas horas da noite.
Depressa «cantaram» tudo, dizendo que eram do Outeiro de São Miguel e que as aulas começariam pelas nove da manhã. Um deles, teve a boa ideia de dizer o seguinte antes que os agentes perguntassem e algum «caísse»:
– É que sabe senhor polícia, nós estamos numa casa ali para a Dorna, uma casa de uma tia minha e amanhã de manhã é que vamos para o Outeiro de São Miguel.
Em cheio! Os agentes deixaram-nos partir sem pedir identificação. Se a tivessem pedido, muito provavelmente o director do colégio teria ido buscá-los…
Depressa chegaram ao destino. Um agarrou a guita e puxou com força. Só se ouviu alto e em bom som… «f…-se que me partem o braço!»
Lá vieram os lençóis, e um a um foram subindo e metendo-se logo na cama, vestidos e tudo!

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António Emídio
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Os episódios das «Histórias da Memória Raiana» são escritos semanalmente por um autor diferente. Participaram na «primeira temporada»: António Emídio, Fernando Capelo, José Carlos Mendes, Ramiro Matos, António José Alçada, Franklim Costa Braga, António Martins, António Alves Fernandes, Joaquim Tenreira Martins, Georgina Ferro e José Carlos Lages.
Na «segunda temporada» continuam a saga o António Emídio, Fernando Capelo, José Carlos Mendes, António José Alçada, Franklim Costa Braga, António Martins, António Alves Fernandes, Georgina Ferro e José Carlos Lages.
Vamos agora dar início à «terceira temporada» com a «fuga para ir ao Circo» do António Emídio…
Total de episódios publicados: 21.
Apesar de fazer referência a nomes e lugares verdadeiros da região raiana dos territórios do Sabugal esta é uma obra de ficção e qualquer semelhança com nomes de pessoas, factos ou situações terá sido mera coincidência (ou talvez não!)
José Carlos Lages
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