Estávamos em plenos anos 50 quando a população do concelho de Penamacor atingiu o seu máximo (18860 habitantes). Mas o declínio de um mundo ainda fortemente medieval já há muito que espreitava…
A Serra da Malcata, na parte limitada pelo concelho de Penamacor, foi marcada por uma paisagem fortemente humanizada, como tantas outras serras de Portugal. Olhando para a primeira carta militar, dos anos 40, observamos dezenas de casas espalhadas ao longo dos vales, nas encostas, um pouco por todo o lado. Mas são mais, bastantes mais as casas realmente existentes. Muitas não eram identificadas como casas de habitação pelos próprios donos, temerosos que de ali viesse algum imposto que desconhecessem. Outras simplesmente já eram ruínas, mesmo nesses tempos de grande população.
Povoada desde tempos pré-históricos, como o demonstra algumas mamoas ainda existentes, a serra sempre foi local privilegiado de segurança para o povo em tempos de guerra por toda a idade média.
Com a revolução industrial, que muito tardiamente chegou a Portugal, os modos de ver e viver a vida foram sendo alterados aos poucos e os desejos dos habitantes rurais também. A vida era dura na serra, não haja ilusões. Mas também o era na Vila, era em todo o lado. Mas às serras não chegavam as novidades, a electricidade, os transportes, qualquer tipo de investimento.
A serra parou no tempo, nessa tal idade média que durante largos séculos foi o seu dia a dia. Os próprios «bens e serviços», como diríamos hoje, fornecidos pela serra foram progressivamente perdendo o interesse para o meio urbano. Os carvoeiros deixaram de conseguir vender o carvão, os moleiros deixaram de ter quem tivesse grão para moer, os pastores viram a lã perder o seu valor, o leite também… O que restava?
Os jovens não viam ali futuro, nem bom nem mau. Não viam ali qualquer solução que os motivasse. A grande maioria emigrou, deixando os pais ou os avós a tomar conta das propriedades na serra. Mas, aos poucos, estas pessoas ficaram mais velhas, menos capazes de trabalhar a terra – e no fundo, trabalhar para quê? Ou para quem? Já eram poucas bocas para alimentar, e qualquer sopa com feijão, batata, couve e, quem sabe, toucinho era refeição mais do que suficiente. Os próprios moinhos iam tendo uma pequena avaria aqui e ali que já não valia a pena reparar, deixando de trabalhar a quatro pedras, depois três, depois duas até parar por completo.
Pouco a pouco, os vizinhos iam escasseando, ou passaram a habitar na Vila, vindo só para lavrar algum olival ou fazer algumas colheitas. Esse abandono continuado tornou a vida ainda mais dura para os que ficaram.
Se nos anos 60 ainda se fez venda de madeira de freixo ao longo dos cursos da água foi porque a sua extracção com carros de bois era possível, embora penosa. O surgimento de um ou outro tractor pelos anos
70 e o progressivo abandono da tracção animal só condenou ainda mais ao desaparecimento das gentes da serra, visto que só uma infima percentagem de terrenos é acessivel a um tractor e todos os pequenos poios e olivais a que se ia com uma junta ou com um burro, cairam no completo esquecimento.
Não deixa de ser curioso que, nos dias de hoje, se possa viver com muito mais conforto e comodidades do que nos idos anos 50. E, no entanto, a serra encontra-se desabitada. A criação da Reserva Natural da Serra da Malcata, em 1981, com a nobre missão de salvar o Lince Ibérico, foi uma última luz de esperanca em que, com boa vontade, se recuperou alguma casas, caminhos, trilhos, fontes, etc… Isto, até ao virar do milénio. O século XXI trouxe uma nova ideologia e deu lugar a uma nova Malcata esquecida e abandonada. De pouco mais serve que de fundo de cartaz publicitário. Mas voltarei ao assunto, outro dia…
Bem-hajam!
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«Quinta da Bazágueda», crónica de Fernando Salgueiro
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