Na minha infância ainda se visitavam os campos, onde cresciam as searas, para as abençoar e nelas depor os ramos de oliveira benzidos no Domingo de Ramos desse ano e os rosmaninhos do paraíso benzidos no Dia da Hora (Quinta-Feira da Ascensão), em geral, do ano anterior. Era uma tradição de séculos. O padre era acompanhado por muitos fiéis precedidos pela cruz.
Após algumas rezas e bênçãos, regressavam à igreja, onde eram cantadas as ladainhas de todos os santos, em que se invocavam e a quem se pedia intercessão perante Deus. A ordem das invocações era: Santíssima Trindade, Nossa Senhora nos seus diversos epítetos, os Anjos, Patriarcas, Profetas, Apóstolos, Mártires, Bispos e Doutores da Igreja, Padres e Religiosos leigos.
Enquadrava-se nas Ladaínhas de Maio a ida a capelas nas vésperas do Dia da Hora, Quinta Feira da Ascensão, que nalgumas terras se chama Quinta-Feira da Espiga, porque uns dias antes da Quinta-Feira da Ascensão a Igreja pedia que se fizessem rogações. Este ano esse dia foi em 13 de Maio.
Por isso, na Segunda-Feira anterior ao Dia da Hora, logo de manhãzinha, ia-se em procissão à capela do Santo Cristo e de Santa Eufêmia, cantando a ladainha de Todos os Santos.
Na terça-feira ia-se à capela de Santo António e de São Gens.
Na quarta-feira ia-se à capela de São Sebastião e à do Espírito Santo.
No Dia da Hora ia-se novamente ao Espírito Santo. De lá traziam-se ramos de rosmaninho do paraíso e doutras ervas. O padre rezava a Hora e benzia os ramos que cada um guardava para que as bruxas não fossem a suas casas nem lhes fizessem mal. Serviam depois para pôr em cruzes nas searas de pão e trigo para que o bicho não entrasse com elas, já que diziam que era nesse dia que secavam as raízes às searas. Em dias de trovoada queimava-se um pouco do ramo para as afastar.
O Dia da Hora era considerado «o dia mais santo do ano», um dia em que não se devia trabalhar. Era chamado o «Dia da Hora» porque havia um momento em que tudo parava: pelo meio-dia ou, em algumas localidades, pelas três horas da tarde, onde «as águas dos ribeiros não correm, o leite não coalha, o pão não leveda e as folhas de oliveira se cruzam».
Havia um provérbio, que em Quadrazais já era muito truncado, que dizia: «Se os passarinhos soubessem quando é o dia da Ascensão, não comiam nem bebiam nem punham os pés no chão.»
Em Quadrazais apenas diziam que na Hora nem os passarinhos piavam nem cantavam. Era nuns momentos antes dessa hora que se colhiam os rosmaninhos e outras ervas para fazer o ramo. Ainda hoje se celebra em muitos lugares o dia da Hora com a ida aos campos colher espigas, flores diversas e papoilas e ramos de oliveira para formar a «Espiga». Por isso se chama o Dia da Espiga.
Em Lisboa e, certamente, noutras cidades, já que não há campos onde colher a espiga, há quem venha das terras vizinhas carregado de ramos de espiga para vender nas ruas da cidade.
Era uma das tradições cristãs ligadas à agricultura, como a bênção dos gados e outras que existiam por esse Portugal fora, hoje quase todas desaparecidas. Traduziam o pedido de protecção das searas e gados pelas gentes do campo a Deus e aos santos, de modo a virem a obter boas colheitas, bons pastos e boas crias. Tudo girava à volta da religião e da agricultura.
Estas práticas religiosas já existiam antes do Cristianismo. O homem sempre pediu aos deuses protecção para as suas colheitas e gados. O Cristianismo aproveitou-se delas para as transformar em práticas cristãs, como fizera com o Natal que substituiu as festas pagãs do solstício de Inverno. As tradições mudam e a Igreja tem de se adaptar aos novos tempos. Por isso, hoje as mulheres já podem ficar ao lado dos homens na missa e não atrás, como dantes, embora a maioria ainda fique atrás, sobretudo as viúvas. Por isso, hoje as mulheres já vão em cabelo à igreja, não precisando de lenços, véus ou mantilhas de antigamente.
As pessoas sentiam-se impotentes face à gafanhota, às tempestades, ao gelo, ao granizo e às doenças que assolavam os campos, os gados ou o próprio homem, sentimento que ainda perdura, assistindo impotentes às quedas de granizo que lhes destroem as cerejas, as vinhas e outros frutos, ou secas que destroem as searas, prejuízos um pouco minorados com seguros caros e com parcas ajudas do Estado recebidas tardiamente.
Daí se colocarem sob a protecção de Deus, da Virgem e dos santos. Havia santos protectores invocados especialmente para determinadas doenças ou pragas. Santa Bárbara era invocada nas trovoadas, São Mamede e o Espírito Santo contra a praga da gafanhota, Santo Isidro para o bom crescimento da agricultura, Santo Antão para a protecção dos gados, São Romão contra a raiva, Santo Amaro para a quebra de ossos, São Sebastião para a cura de feridas físicas e espirituais e Santo António para o achamento de coisas perdidas.
A estes santos foram dedicados altares nas igrejas ou erigiram-lhes capelas.
No concelho do Sabugal encontramos ou já existiram várias capelas dedicadas a estes santos: A Santo Isidro nas Peladas (Colónia Agrícola); a São Mamede em Quadrazais; ao Espírito Santo em Quadrazais, Rendo e Casteleiro, tem festa em Alfaiates e imagem na igreja da Lageosa; a Santo Antão em Aldeia do Bispo e Vila Boa e festeja-se na Bendada; a Santa Bárbara na Bismula, Aldeia da Ponte e Rendo e tem imagem na matriz da Lageosa.
A São Sebastião foram dedicadas capelas em Águas Belas, Bendada, Casteleiro, Lageosa (imagem na matriz), Quadrazais e na anexa Ozendo, Rendo, Santo Estêvão, Sortelha e Vilar Maior. Também Santo António tem capela em muitas freguesias, a começar por Quadrazais.
Havia mesmo orações próprias para se dirigirem a alguns santos, como é o caso de São Sebastião e Santo António, entre outros. A Santo António rezavam um responso com o seu nome quando pretendiam encontrar algo que haviam perdido.
A Deus se pedia chuva em época de seca prolongada. Aconteceu-me em Évora ir numa procissão no início do Outono de 1960 a pedir chuva para a seca prolongada e apanhar uma valente carga de água. Deus ouviu as preces no momento.
Daí as ladainhas em que era pedida a protecção da Virgem em todos os seus epítetos e de todos os santos: «Santa Virgo Virginis» ou «Omnes sancti et sanctae» cantava o padre, a que respondiam os fiéis: «ora pro nobis ou orate pro nobis.»
Era a vida cristã na sua prática, ligada à vida do dia-a-dia, em casa ou nos campos. Em casa o cristão agradecia a Deus o almoço ou o jantar que iria comer, a saúde de que disfrutava ou pedia a sua recuperação em tempos de doença. No campo solicitava a protecção contra as intempéries ou as pragas, nomeadamente a da gafanhota que frequentemente lhe destruía as colheitas. Por isso, visitava as capelas que erigira aos santos e à Virgem, em romarias de gratidão, oferecendo-lhes os melhores dos seus frutos ou dos seus gados.
Muitas vezes ouvi meu pai falar-me da grande praga de gafanhotos que surgira em Penamacor havia já alguns anos e para matar os milhões de gafanhotos ter sido requisitada a tropa do quartel dessa vila que, ao som dos tambores, enxotava a bicharada de encontro a redes seguradas por outros soldados. Depois, amontoados, eram incinerados.
Seria fácil voarem pela Serra da Malcata até à Lameira de Quadrazais. Provavelmente, há já alguns séculos, teriam os pastos da Lameira sido alvo da gafanhota e essa teria sido a razão para terem erigido ao Divino Espírito Santo uma capela nesse lugar, em termo de Malcata mas com festa feita pelos quadrazenhos.
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