Maria do Carmo é mais um exemplo da tragédia que assolou a nossa região no século XIX!
Maria do Carmo foi exposta em Gralhais, freguesia do Casteleiro, dia 23 de Junho de 1873. no dia 24 foi batizada no Sabugal pelo Reverendo Abade António Bigote, tendo sido seu padrinho. Matriculada na Roda do Sabugal com o número 385 e foi entregue à ama Maria Sapateira, de Vila Boa, em 25 de Junho.
«Apareceu abandonada no sítio de Gralhais no limite do Casteleiro na casa de um pastor na noite do dia 23 para 24 de Junho de 1873 acompanhado de um covado de baeta cor de vinho, uma envolta em baetilha com beira encarnada outro baetão velho (?) , duas camisas, três garruços, dois jaquets, e três coeiros.
Faleceo em 29 de Maio de 1874.» (1)
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Carta do Regedor do Casteleiro ao Presidente da Câmara de Sabugal:
«Recebi um offício com a data de 23 de junho para remetelo a Recenceamento eleitoral também remeto um emposto do sexo famino que foi emposto em huma caza do Campo de hum pastor no sítio de Gralhais limite desta freguesia…
Relação do esovalho
Hum covado de Baeta cor de vinho huma envolta de baetilha com beira encarnada uma outra de Beitão velha camisas duas Garruços dois jaquetos 2 pares coeiros três…
Este ha de confiança que he do povo da Benquerença Concelho de Penamacor.
Dizem que filho de Joaquina pinheira solteira Deus (…?) Casteleiro 24 de Junho de 1873.
Illustríssimo Presidente da Camara Municipal do Concelho do Sabugal
Henrique Martins Guerra
A lista entregava ao senhor Moreira
Ilustríssimo Senhor
Presidente da Camara do Concelho do Sabugal
Do Regedor do Casteleiro
Comentário
Estamos perante mais uma evidência da tragédia por que viveram os nossos antepassados. Foi assim durante séculos, mas é do século XIX que existem mais documentos.
A criação do atual concelho de Sabugal, em 1855, veio complicar a vida dos expostos! Imagine-se este caso, a distância entre Casteleiro e Sortelha era bem menor do que ir para o Sabugal e depois para Vila Boa. Quem mais sofria eram indubitavelmente as crianças, provavelmente colocadas numa cesta e transportadas de burro! Um pouco por todo o concelho havia estafetas fazendo verdadeiras maratonas, levando ao Presidente da Câmara a triste mensagem de mais uma criança abandonada, solicitando os poderes espirituais do padre para salvação de mais uma alma e procurando uma ama de leite capaz de salvar uma vida.
Infelizmente, falta coragem política para criação de um grupo de trabalho que consiga realizar um estudo aprofundado!
Nota
(1) Arquivo Distrital da Guarda. Livro dos Expostos do Sabugal 1870 – 1874, folha 149.
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«Memórias de Sortelha», opinião de António Gonçalves
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2019)
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Caro António Gonçalves! Obrigado, mesmo!
Não pela criança exposta – questão lamentável e repetida naqueles tempos…
Mas sim pela referência a Gralhais.
Ninguém imagina o que esta palavra desperta em mim… Gralhais faz parte da minha vivência infantil: um tio-avô era lá uma espécie de feitor.
Eu ia a Gralhais muitas vezes depois das aulas na escola da terra – e de cada vez era uma festa. Primeiro porque ia com o meu avô que eu adorava. Depois porque lá na Quinta tudo era bonito e bom. Um dia, há 5 anos, pude escrever no ‘Capeia’ o seguinte: «A Quinta de Gralhais de que me lembro, a minha Quinta de Gralhais, não tem quase nada a ver com o que hoje existe no mesmo local. Há 55 anos, ia muitas vezes a Gralhais. Recordo tudo dessa quinta, anexa da minha aldeia. Há histórias diabólicas ligadas a esse a outros espaços amplos de grande agricultura.».
Leia mais, por favor,… (Aqui.)
E renovo os meus agradecimentos. Emociono-me sempre que «Gralhais» se cruza comigo – ainda hoje…
Continue na mesma senda, António… POR FAVOR!!!!!