Que dirá um Justino, da sua Justiça? O Justino é um humilde camponês, que o conheci numa aldeia chamada Sachico Rosa. A uns escassos quilometros do Congo, dito Democrático, grande parte da sua subsistência ficou abalada. Com o fecho, já em jeito de definitivo, o mercado inter-fronteiriço das quartas-feiras e sábados ficou suspenso, como tanta coisa neste mundo.
Em Sachico Rosa, as pessoas nascem e morrem como sempre. De fome, felizmente, nunca porque o Justino é agricultor e consegue subsistir, como na Raia, em tempos idos, ou talvez nem tanto. O que produz dá para a sua família numerosa de sete pessoas.
A preocupação do Justino é diferente da minha. E o que ele acha injusto eu também: queremos fronteiras abertas. Mas ele é para subsistir melhor e eu é para poder voltar a casa.
De repente, ambos queremos justiça. Mas de facto em moldes diferentes.
Esta interessante conversa, decorreu sem máscara, porque este material biosanitário dificilmente chega a Sachico Rosa, como a tantas aldeias por este mundo fora. E eu sou incapaz, como convidado, de estar melhor vestido que o anfitrião. E para dar uma máscara ao Justino, deveria dar a toda a aldeia. Senão não seria justo, para o Justino., e muito menos para os outros amigos da aldeia de Sachico Rosa.
Tal como eu, o Justino para tratar das suas maleitas tem de se automedicar. Mas também eu por motivos diferentes. Ele é porque está bem longe do hospital ou do médico. Eu, porque tenho de me sujeitar às novas regras e as suspeitas de um espirro, ou febre, ou tosse é logo ser encaminhado para o degredo. Mesmo sendo injusto o Justino não ter um eficaz acesso a cuidados básicos de saúde, a minha realidade é outra, porque o medo instalou-se no mundo onde se proclama justiça.
E a nossa conversa foi tão injusta, que eu precisei mais do Justino do que ele de mim. E nem por isso deixámos de ficar amigos e nos abraçámos, porque sinceramente também já ando cansado de tanto afastamento. Sou humano, terei morte certa, mas quero viver com gosto até à hora do adeus. Acho injusto, não poder usufruir do convívio que tinha.
Pois, mas esse comportamento também é injusto. Porque se fôr «apanhado», posso contaminar inocentes que até podem falecer. E todo o cuidado é pouco!
Na realidade ando tão confuso que já perdi a noção de justiça, de sustentabilidade e até da designada «razão».
Por acaso não foi o filósofo Sócrates, mas sim desenvolvida por Aristóteles.
Chitato, 17 de Abril de 2021
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«No trilho das minhas memórias», por António José Alçada
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Junho de 2017)
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