Lá vinha a Tomázia de carava com a Pepa. Os sorrisos morriam nos rostos cansados! Puxaram pelo último codorno de pão que traziam no bolso do avental e levaram-no à boca antes de entrarem no comércio do Sr. Anacleto…

Tomázia e Pepa tinham treze para catorze anos, corpo delgado e frágil, mas gestos de Mulheres feitas, pelas agruras do trabalho que, de há muito, ajudava a angariar o pão para o lar.
Demoraram-se mais de meia hora. Quando saíram, haviam trocado as saias rodadas de cores alegres, por saias pretas direitas, presas à cintura com elástico e levemente escondidas pelo avental de corpo e folhos. As ancas agora, eram mais volumosas e menos moldadas e as passadas mais curtas e pesadas.
Evitaram atravessar a aldeia afastando-se do posto da Guarda fiscal. Foram a caminho da Alagoinha. As peças de pano cru, apertadas ao corpo, com nastros, não lhes davam agilidade nem lhes permitia galgar a ribeira de água gelada e piso escorregadio.
Tomázia tiritava de frio e desequilibrou-se vezes seguidas até se estatelar no chão barrento e enlameado. As lágrimas corriam-lhe pela cara abaixo, pensando no prejuízo das peças já sujas e molhadas. A Pepa bem tentava animá-la mas, também ela, estava assustada e angustiada.
Minha tia Maria «do Enxido» vinha do soito de cesta de castanhas à cabeça, quando as avistou neste desconsolo. Falou-lhes com carinho e ajudou-as a vir até à sua casa. Atiçou o lume, deu-lhes a comer um caldo de batatas bem quentinho e pôs-lhes a roupa a secar. Pediu-lhes que deixassem as peças sujas e que viessem buscá-las uns dias depois que ela iria pô-las como novas. Não tinha dinheiro para as ajudar a comprar outras mas, iria tratar de não as deixar mal vistas. Sempre era melhor que serem apanhadas pelos guardas ou pelos carabineiros!
Mal elas abalaram, mergulhou as peças de pano na barrela com cinza de vide e tratou delas como fazia ao linho que, tão bem, sabia cuidar.
Já perto de Navasfrias estavam os carabineiros prontos para lhe apanharem o carrego! Só então perceberam que tinha sido uma sorte terem vindo sem ele.
A Tomázia apanhara um resfriado e ficara acamada com maleitas durante duas semanas. E foi minha tia com a minha avó, que acarretaram, numa ceira, as duas peças de pano, até à aldeia vizinha! E eu acompanhei-as a saltitar como se fosse para uma festa!…
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«Gentes e lugares do meu antanho», crónica de Georgina Ferro
Com o seu estilo inconfundível mais uma visão da vida de antanho nas Terras da Raia! Obrigado