O Mar de Aral, situado na Ásia Central, entre o Cazaquistão, ao norte e o Usbequistão, ao sul, foi até à década de 1960 o quarto maior lago do mundo, com 68 000 km² de superfície e um dos grandes oásis da Rota da Seda. Mas, a partir do início dessa década, começou a recuar gradualmente, ano após ano. Na atualidade, o Mar de Aral está reduzido a menos de 10% do seu tamanho original e transformou-se em grande parte num deserto – o deserto de Aral Kum – facto que é considerado como um dos maiores desastres ecológicos da história recente do planeta.

Antes de se transformar em deserto, o Mar de Aral era alimentado por dois rios da Ásia Central, o Amu Daria e o Sir Daria. O rio Amu Daria, com 1415 km de comprimento, possui a maior bacia desta região da Ásia e nasce no Tajiquistão, atravessa em seguida o Afeganistão, o Turquemenistão e o Usbequistão. Por sua vez, o Sir Daria, com 2212 km de comprimento, é o maior rio da Ásia Central e atravessa o Quirguistão, o Usbequistão, o Tajiquistão e o Cazaquistão. Antes dos anos sessenta, estes dois rios enriqueciam os oásis da chamada Rota da Seda que existiam na região, tendo contribuido para a existência de uma rica cultura agrícola e comercial, onde cidades como Samarcanda (Usbequistão), ganharam renome pela fertilidade dos seus campos, pela abertura ao comércio e pelo aprovisionamento das caravanas, numa das zonas com mais história, comércio e agricultura do mundo.
Para tentar perceber melhor as razões do desastre ecológico acima referido, vale a pena recuar a finais dos anos cinquenta do século passado. Nesse tempo, o Cazaquistão e o Usbequistão faziam parte da URSS. Ora sucedeu que, por força da gestão centralizada imposta pelo regime soviético, a agricultura da região começou a sofrer, a partir dessa época, uma mudança radical.
Efetivamente, no quadro dos planos quinquenais elaborados pelo Politburo de Moscovo, a URSS decidiu pôr em marcha um gigantesco plano de regadios para converter as planícies das estepes do Cazaquistão e do Usbequistão num grande centro de produção de algodão. Fê-lo com mão de ferro, mobilizando enormes recursos, deslocando para essa região dezenas de milhares de pessoas e os seus melhores engenheiros.
A ideia consistiu em drenar os dois grandes rios Amu Daria e Sir Daria que desaguavam no Mar de Aral, desviando as águas destes rios para os campos de algodão. Mas os soviéticos fizeram mais. De modo incompreensível, devem ter-se convencido de que, para alcançar os seus objetivos, bastava inundar com a água desses rios os ditos campos de algodão que no verão atingem mais de 40° e onde raramente chove. Em vez de construirem canais para conduzir as águas do Amu Daria e do Sir Daria, limitaram-se a abrir valas diretamente no solo poroso das estepes e não levaram em conta o facto de que os baixissimos índices de pluviosidade daquela região não chegavam para irrigar os cultivos de algodão que são particularmente exigentes em abastecimento de água (sendo certo que a produção de um quilo de algodão necessita entre 5 400 e 19 000 litros de água) .
O resultado foi desastroso. Mais de 70% das águas desviadas do Amu Daria e do Sir Daria perdiam-se por infiltração nos solos e por evaporação, antes de chegarem aos cultivos do algodão. Por outro lado, o Mar de Aral, privado de grande parte do volume hídrico desses dois rios que o alimentavam, começou a secar lentamente.
De facto, em consequência do desvio das águas desses dois rios, assistiu-se, entre os anos sessenta e oitenta, ao recuo gradual das águas do Aral. O débito destes rios foi diminuindo de tal forma que, em 1987, o Mar de Aral já se encontrava dividido em dois lagos menores separados e sem conexão entre si, um ao norte e outro ao sul, este último, por sua vez, dividido na zona central e na parte ocidental.
Em finais do século XX, a seca de grande parte do Aral já atingira tais proporções que podia ser claramente observada através dos satélites que orbitavam o planeta. Por volta de 2001, quando o nível do mar já tinha baixado cerca de 20 metros, os hidrólogos descobriram que o seu destino estava ditado. Não havia nada que pudesse conter a sua desidratação. Desde então, o recuo do Mar de Aral foi-se acentuando, ano após ano, e, como se disse, está atualmente reduzido a menos de 10% da sua superfície inicial.
Agora, nos oasis de Samarcanda a escassez da água é uma evidência. O tecido agrícola e comercial que existia na região desde há milhares de anos foi arrasado por um projeto cego de extensão agrária posto ao serviço dos planos produtivistas de Moscovo que transformou as hortas e as explorações seculares de subsistência desta zona da Ásia Central em monocultivos de fibra textil. Esta obra mastodontica, fantasmagórica e delapidadora dos recursos hídricos e humanos desta região da Ásia Central durou cerca de 30 anos, o tempo suficiente para desencadear a desertificação irreversível do Mar de Aral.
Efetivamente, no espaço de três décadas, assistiu-se a uma rotura do equilíbrio hídrico do Aral, dezenas de espécies endémicas de peixes desapareceram e milhões de peixes morreram devido à seca e às quantidades colossais de pesticidas utilizados no monocultivo do algodão que foram sendo derramadas no leito do mar.
O recuo do Aral provocou, por outro lado, uma mudança climática na região, com verões cada vez mais quentes e secos e invernos mais frios e longos. A amplituda térmica aumentou, passando de -25° C no inverno e +35°C no verão, para -50°C no inverno e +50°C no verão. O ecossistema do Aral e dos deltas dos dois rios atrás referidos está praticamente destruído, em grande parte pela alta salinidade aí existente. As culturas tradicionais da região têm vindo a ser devastadas pelas poeiras salgadas que são arrastadas pelos ventos e que contaminam os campos, mesmo aqueles que se encontram a centenas de quilómetros. Esses ventos atingem frequentemente velocidades superiores a 90 km/h, provocando tempestades de areia que chegam a lugares distantes como o Paquistão e mesmo o Ártico.
Por outro lado, o desaparecimento gradual do Mar de Aral, a escassez de água doce, e sobretudo as poeiras salgadas contaminadas pelos produtos tóxicos dos pesticidas que são transportadas pelo vento para as áreas habitadas, estão na origem de um grande número de problemas de saúde que afetam as populações locais: doenças renais, tuberculose, anemias, febre tifoide, uma mortalidade infantil das mais altas do mundo, várias formas de cancro, anemias e doenças pulmonares, entre outras doenças em constante crescimento.

Antes de 1960, o Mar de Aral era um reservatório original de biodiversidade, com cerca de quarenta espécies de peixes, e uma pesca industrial e atividades conexas que faziam viver uma parte importante da população. Nas margens do Aral havia numerosas cidades que prosperavam graças à pesca. Contudo, no início dos anos oitenta a maior parte das espécies desapareceram. E à medida que o mar foi recuando, muitas dessas cidades foram sendo abandonadas. As capturas de peixe diminuiram dramaticamente. Às centenas de milhares de toneladas de peixe que eram pescadas anualmente antes da catástrofe, correspondem hoje cerca de quatro mil toneladas. Na cidade de Muynak (Usbequistão) por exemplo, que no passado tinha sido um movimentado porto da indústria pesqueira que empregava cerca de 60.000 pessoas, esta indústria ficou destruida. Hoje, a cidade já se encontra a muitas milhas da costa do que ainda resta do antigo Mar de Aral. Os barcos de pesca estão agora encalhados em pleno deserto, nas planícies que foram outrora o fundo do mar. E a única empresa pesqueira que continua na região apenas vive da importação de peixe do Oceano Pacífico, situado a milhares de quilómetros.
Dito isto, fica a pergunta: será que os Estados da região ainda irão a tempo de reparar, ao menos em parte, as consequências resultantes da destruição do Mar de Aral?

No quadro de um périplo pela Ásia Central, o atual Secretário Geral da ONU, António Guterres, deslocou-se em Junho de 2017 a esta região. Durante a visita que efetuou à referida cidade de Muynak, transformada num verdadeiro cemitério de navios, Guterres não resistiu a declarar-se extremamente chocado com o desastre ecológico aí existente, que considerou ser «provavelmente a maior catástrofe ecológica do nosso tempo». Afirmando que «o desaparecimento do Mar de Aral não é uma consequência direta das alterações climáticas, mas sim o resultado de uma má gestão dos recursos hídricos desse mar» que «mostra como os homens podem destruir o planeta», o Secretário Geral da ONU apelou a que se «tirem as lições deste desastre e que tudo se faça para que tragédias como esta não se repitam».
A este respeito, importa notar que a Organização das Nações Unidas não ficou indiferente à sorte desta região da Ásia Central e tem desenvolvido, a partir da década de 1990, esforços no sentido de atenuar as consequências dramáticas provocadas por este desastre ecológico. Recuperar as condições mínimas de saúde pública, implementar medidas de eficiência hídrica e conseguir a estabilidade geopolítica da bacia do Mar de Aral têm sido as metas apontadas pela ONU para atingir esse objetivo.
Tendo em vista responder às necessidades económicas, sanitárias e alimentares de centenas de milhares de vítimas desta crise ambiental, cinco agências da ONU (PNUD, UNESCO, FNUAP, OMS e VNU) iniciaram em 2012 um programa financiado por um Fundo especial da ONU que visa criar novas fontes de rendimento para as comunidades rurais da região do Mar de Aral e ajudá-las a responder à falta de infra-estruturas de base.
Por outro lado, reconhecendo que as consequências humanitárias, ambientais, e socio-económicas desta tragédia ecológica constituem uma preocupação mundial, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou, em 2019, uma resolução destinada a reforçar a cooperação entre a ONU e o «Fundo Internacional de Salvação do Mar de Aral», criado em 1992 com o objetivo de melhorar a situação ecológica e socio-económica da bacia do Mar de Aral.
Mas estes esforços da ONU exigem, simultaneamente, a necessária cooperação transfronteiriça dos Estados da região. Em 2013, realizou-se no Tajiquistão, uma «Conferência Internacional sobre a Cooperação no domínio da Água» que debateu e aprovou um conjunto de políticas a adotar neste domínio, bem como nos setores da agricultura e da energia desta zona da Ásia Central. Todavia, a desejável cooperação internacional que deveria existir entre os Estados transfronteirços em causa tem, infelizmente, esbarrado com os interesses divergentes, e dificilmente conciliáveis, dos Estados em causa.
Assim, se esta falta de concertação regional persistir, os ecossistemas e os meios de subsistência tributários do Mar de Aral jamais voltarão a ser o que eram, há meio século. E esta catástrofe ecológica, porventura a maior da história recente da humanidade, apenas servirá de um exemplo mais para «mostrar como os homens podem destruir o planeta», como bem salientou António Guterres.
A tragédia do mar de Aral foi contada no filme «Psy /Dogs» de Dmitri Svetozarov (URSS, 1989) gravado numa das cidades fantasmas da antiga costa do Aral, entre edifícios em ruina e navios carcomidos pela ferrugem encalhados na areia conquistada ao mar pelo deserto de Aral Kum.
Esta tragédia ecológica não pode deixar de nos interpelar, a par de tantas outras que continuam a ocorrer um pouco por todas as regiões do planeta, como a deflorestação da Amazónia, a subida do nível dos oceanos, os furacões, as tempestadas e outros fenómenos climáticos extremos, a desertificação e a perda de biodiversidade nos vários continentes, ou o aquecimento global causado pela emissão de GEE. E constitui um sério alerta à consciência coletiva da humanidade, em particular dos responsáveis políticos e económicos de todos os povos do mundo.
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«Portugal e o Futuro», opinião de Aurélio Crespo
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