No tempo da pneumónica, Portugal era um país predominantemente rural, com perto de 80% da população ligada à agricultura. A sua população era, na altura cerca de 6 milhões de habitantes e só um pouco mais de 10% vivia nas cidades de Lisboa e do Porto. O resto da população vivia em aldeias ou em pequenos aglomerados urbanos. Já no princípio do século, a população ativa, não contente com as condições em que vivia, emigrou sobretudo para o Brasil e Argentina, calculando-se em 670 mil pessoas que deixaram o país, de 1900 a 1918.

As aldeias do concelho de Sabugal, um pouco como na Idade Média, eram vítimas do isolamento e da falta de informação sanitária, como quase por todo o país. Com a reorganização da saúde pública, nos finais do século dezanove, foram criadas as Delegações Regionais de Saúde com competência de informar o poder central e de implementar e sugerir medidas relativas à saúde pública.
Lopo de Carvalho era, na altura, o Delegado Regional de Saúde do Distrito da Guarda e, em carta de 28 de setembro de 1918, enviada ao Diretor Geral da Saúde, em Lisboa, dava conta de notícias aterradoras sobre a gripe pneumónica que grassava no Concelho de Sabugal. E cita as aldeias em que se faz sentir fortemente a gripe: Quadrazais, Moita, Casteleiro, Santo Estêvão, Rendo, Cerdeira, Vale de Espinho, Alfaiates, Aldeia da Ponte, Quintas de São Bartolomeu. «São milhares de doentes. Só em Sabugal e Quadrazais há quinhentos. Ontem e anteontem, deram-se em Quadrazais 21 óbitos e no Sabugal 8. Doentes há que morrem entre 16 a 18 horas.» E terminava pedindo subsídios financeiros para ocorrer à doença.

É ainda de referir que o distrito da Guarda foi um dos mais castigados com a pneumónica em todo o país, com 7.516 óbitos atribuídos a esta doença, depois de Lisboa (18.338), Porto (17.865), Viseu (11.280), Coimbra (9.424), Braga (9.276), Vila Real (8.728).
Também, em 1918, ao Autor destas linhas faleceu uma tia, irmã do meu pai, com 16 anos de idade, vítima da pneumónica,
Queria referir um curioso fenómeno que ainda hoje me espanta.
O meu pai, com a idade de 15 anos, era, nessa altura, o sacristão da aldeia, ajudando em permanência o pároco, o Pe. José Maria. Como ninguém morria sem os últimos sacramentos, tanto o padre, como o sacristão eram chamados, quase me permanência, à cabeceira dos moribundos. E coisa curiosa, nem o meu pai nem o Pe. José Maria foram infetados pelo vírus.
Dizia-me ele que nunca tinha trabalhado tanto, pois chegava a haver várias mortes por dia, enterrados sem caixão e até na mesma sepultura, pois era impossível ao coveiro cavar tantas sepulturas.
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«Pedaços de Fronteira», opinião de Joaquim Tenreira Martins
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