No mês de maio de 1918 chegava a Portugal a Gripe Espanhola, a Pneumónica, a Spanish Lady, como também é nomeada. Contrariamente à sua designação, o vírus desta gripe não veio de Espanha, mas, supostamente, dos Estados Unidos, onde foi detetada, em março de 1918, nas bases militares do Estado do Kansas, atingindo, quase exclusivamente, a população jovem.

A epidemia alastrou-se à Europa com a chegada das tropas americanas a França, em abril de 1918. Em seguida deslocou-se para a Inglaterra e depois a toda a Europa e ao mundo inteiro, através dos meios de comunicação, comboios e, sobretudo, barcos.
Como a guerra impunha uma censura dos médias, a fim de não desmoralizar as tropas que tinham sido enviadas para a Europa e de não transmitir uma imagem de fraqueza ao adversário, foi, por isso, proibido abordar este tema. Como a Espanha não estava em guerra, não tinha combatentes e a imprensa era livre, os jornais espanhóis foram os primeiros a assinalarem os mortos desta pandemia.
A gripe espanhola matou em Portugal mais de 100 mil pessoas. Alguns meses depois de os pastorinhos de Fátima terem assistido à aparição de Nossa Senhora, a pneumónica levou-os, assim como a muitos outros jovens, entre os quais o grande artista Amadeo Sousa-Cardoso e o pianista António Fragoso.
As zonas fronteiriças foram as mais atingidas. Alguns ainda se lembram de ouvirem falar aos antigos do «cordão», ou do «cordão sanitário», que era assegurado pelos guardas-fiscais que vigiavam a fronteira, impedindo as viagens de intercâmbio fronteiriço.
Esta gripe, já presente em Espanha, teria chegado a Portugal através dos trabalhadores sazonais alentejanos regressados de Badajoz. Os primeiros casos registaram-se em Vila Viçosa, alastrando pelo Alentejo e depois por todo o país.
No Norte, a pandemia teria chegado através dos soldados que regressavam às suas terras de origem, provenientes da Flandres, onde tinham combatido na primeira guerra mundial. Também as feiras, romarias e vindimas deslocaram populações que facilitaram o contacto e a transmissão do vírus.
Ao princípio, as autoridades não deram muita importância ao alarmismo das populações do Alentejo e do Norte do país, considerando tratar-se de um surto de gripe normal. Porém, a partir de outubro, Lisboa vivia um cenário dantesco. Chegavam a morrer 400 pessoas por semana. Faziam-se 250 funerais por dia. Segundo Fernando Rosas, os corpos enrolavam-se em lençóis e depositavam-se à entrada das casas para serem levados pelas carretas.
Algumas testemunhas contam que na Baixa de Lisboa viam-se passar carretas puxadas por cavalos, cheias de corpos. As igrejas faziam funerais a toda a hora e os sinos estavam sempre a tocar, a anunciar outras mortes. Toda a gente se encontrava em pânico, temendo ser contagiada.
As famílias mais abastadas de Lisboa levavam os filhos doentes para fora da cidade, para apanharem melhores ares e tentarem resistir à doença. Naquela altura, demorava-se muito tempo do Chiado até Benfica onde os ares eram mais saudáveis e havia muito menos contactos sociais.
Repouso, dieta ligeira, aspirina, supressão de apertos de mão ou ósculos eram sugeridos como medidas de precaução, mas pouco eficazes. Com a sobrelotação dos hospitais, alguns liceus foram transformados em enfermarias para acolher os doentes.
Com a morte, a fome e a miséria sucederam-se também acontecimentos políticos graves, com tentativas revolucionárias, morte de presos políticos, greves gerais que culminaram, em dezembro, com o assassinato de Sidónio Pais.

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«Pedaços de Fronteira», opinião de Joaquim Tenreira Martins
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