Um terceiro elemento da paisagem de Quadrazais foram os moinhos, que aí chamam munhos, existentes ao longo do Côa, movidos pela sua água que corria até àqueles através de levadas, canais feitos pelo homem.

Existiram nove munhos: o da Sra. Luísa à Escaleira; o do Manel Torro, irmão da Ti Torrinha, ao Salgueiral (ou João Lourenço), vendido depois ao ti Jaquim Sapateiro; o do Sr. Zé Jaquim, mais tarde comprado pela Bajé Pecada, ao Lameirão da Ribeira, onde foram moleiros o Tomba-Lobos e o Belmiro Soitenho; outro do Sr. Zé Jaquim à Ponte-Maússa, que o comprara à ti Perricha, mais tarde vendido ao Zé Jaquim Casado, onde fora moleiro o ti Domingos Ferro; o do Sr. Nacleto às Poldrinhas; o do ti Barreiro ao Ribeiro da Marrã; o do Sr. Nacleto no Covão; e outro do Sr. Zé Jaquim ao Covão, de quem foi moleiro o ti Zé Jaquim Cabral, depois vendido ao Ti Frade e depois ao ti Zé Narciso de Vale de Espinho, onde ele mesmo era moleiro. Houvera um no Pontão do Rejais (Orjais), o munho do Lavrador, que depois foi vendido a um soitenho.
Tirando o do Casado, estão todos em ruínas ou já desapareceram. Estes munhos eram fonte de trabalho para a família dos moleiros, que utilizavam burros e cavalos para transportar os sacos de grão de Quadrazais até ao local dos munhos e regressavam com a farinha até aos donos em Quadrazais, ficando para eles a maquia, uma certa porção do grão a moer.
Com ela pagavam aos donos dos munhos que, assim, obtinham rendimentos. Com esta indústria viviam depois as famílias que consumiam a sua farinha transformada em pão e as padeiras que o fabricavam e vendiam, para além dos forneiros que cobravam a poia, pães com que ficavam, com os quais pagavam aos donos dos fornos – o Sr. Nacleto à Fonte e o Sr. Zezinho ao Cimo.
Viviam, pois, directamente dos munhos nove famílias dos donos de nove munhos, mais nove famílias dos moleiros dos mesmos munhos.
Indirectamente, viviam deles mais duas famílias dos donos dos fornos e mais duas famílias dos forneiros. Acresciam ainda as famílias de padeiras, que ganhavam suas vidas vendendo pão (centeio), mais comummente comido pelos mais pobres, ou trigo para os remediados ou para dias de festa. Era, pois, uma boa fatia de quadrazenhos remunerados dependentes dos munhos, para além da grande fatia dos consumidores não remunerados que enviavam suas taleigas de grão ao munho e recebiam de volta taleigos de farinha, a que era retirado o farelo que alimentaria cães, porcos e outros animais. Por aqui se vê que nem todos os quadrazenhos viviam do contrabando, como alguns pretendem insinuar.
O quadrazenho não apreciava a profissão de moleiro. Por isso, os moleiros vinham de fora. Eram de Vale de Espinho o ti José Narciso, do Soito o ti Teodoro e o Belmiro Soitenho, de Seixo do Côa o ti Cabral (ou pelo menos os pais), de Pedrógão o José dos Santos Bicho (Zé Broas), de não sei donde o Tomba Lobos e do Ferro(Covilhã) o ti Domingos Ferro (Domingos Mendes).

Antes de ser enviado ao munho, o grão era joeirado, isto é, passado pelo crivo para lhe retirar restos das espigas ou pedrinhas. Depois era passado por criva para separar o grão da rabeira. Estava, então, pronto para seguir para o munho em sacos- as taleigas de um alqueire ou meia fanega (dois alqueires). A farinha viria em sacos brancos – os taleigos de estopa. Dir-se-ia que toda a povoação girava à volta dos munhos.
Merecem, pois, que lhes dedique um poema…
OS MUNHOS DE QUADRAZAIS
Em covas junto ao Côa,
Recatados junto à água,
Em eternos rodopios
Zuníeis horas sem mágoa.
Roda, pedra, até que moa.
Ao contrário dos irmãos
No cume de altos montes
Com velas brancas vistosas,
Permaneceis com as fontes
Junto à água que mói grãos.
Eles afugentam aves,
Vós recebeis lindos peixes.
O vento sopra a farinha
Espalhando-a como feixes.
Vós juntai-la bem em linha.
Mesmo que durma o moleiro
Com o som da tarambola,
Vós continuais despertos
Sem uma pausa da mola
Que a pedra não tem pedreiro.
Correia gira sem parar
Movendo essa tarambola,
O tabuleiro obtém gotas
De farinha a serem bolas
Da vida sempre a rodar.
Dessa farinha, qual neve,
Se há-de fazer o bom pão
Para bocas alimentar
De filhos, mãe e pai João.
Continuai o labor leve.
Vejo burros apressados
Pelos córregos, caminhos
Por voltarem a seus donos,
No dorso sacos, saquinhos,
Do trabalho já cansados.
Não fiques triste, burrito,
Que farelo hás-de comer
Por esse teu árduo andar
Que põe teus cascos a arder.
Na paisagem és um mito!
Tu, cavalo vaidosinho,
Para farelo te darem,
Vais partilhar o suor
Dos munhos sempre a rodarem.
Arre, arre, cavalinho!
À mesa de rico e pobre
Levareis o pão da vida.
Hão-de lembrar-se de vós
Em sua mente agradecida.
Corram a uma só voz.
Tabuleiros enchereis
Da farinha que moestes.
Com o pó branco fareis
Bicas, pães e algo mais.
Moei, moei mais e mais.
Do almoço p’la manhã
Até p’la tarde ao jantar,
Estais à mesa presentes
Na farinha que moestes,
Em bom pão a transformar.
Cestas de vime ou baraços
Para o trabalho vos levam.
Esse pão irão comer
Bocas famintas que sevam
P’ra alimentar força de braços.
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«Lembrando o que é nosso», por Franklim Costa Braga
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