Como doía àquela mãe ver o filho quase a desaparecer nos ossos, sem ter forma de lhe aligeirar o cansaço e dar-lhe uma vida mais fácil…

– Ai mem, filho! Estás tão magrinho! Desta vez não quero que «vaias» para tão longe!… Esse Ti Nai é mesmo reles! Já se não lembra de quando lhe assoava o nariz e lhe acarretava o saco para ele folgar!… Se teu pai por cá estivesse!…
– Pois não, minha mãe! Ele, se pudesse, ainda comia a nossa merenda e nos punha às costas o carreto em dobro. Mas olhe que o peguilho e o codorno são cada vez mais pequenos!
– Não sei como te aligeirar o cansaço.
– Sabe minha mãe, um dia hei-de arranjar um trabalho melhor e hei-de estudar como o Toninho, para ser médico de verdade!… O Toninho diz que me vai guardando os livros dele todinhos! Quando nos juntamos ele vai-me ensinando tudo o que aprende! Ele é muito bom aluno, mas passa muitas noites em claro para poder aprender!
– Deus aprouvera que tal te aconteça!
Aquela tarde gelada prometia tormenta! Mas os guardas também tinham frio embora o capote grosso e, certamente que não iriam para a rusga! Era de aproveitar sair pela calada da noite. O Ti Nai já os esperava à Laje da Lancha, com o carreto aviado para ambos, o Toino e a Neves.
– Olhem bem que não os quero cá sem os duros contadinhos! Se virem os carabineiros escondam o carrego e não o deixem tirar…
A conversa era sempre a mesma. Eles já nem o ouviam! Mas naquele dia, havia algo no ar que os intimidava!
Mal tinham posto as «tchancas» no carreiro, logo o céu cinzento fora rasgado por uma luz azul intensa. As duas crianças, «quintos de onze anos» entreolharam-se encolhidos nas vestes que levavam. A Neves lançou-lhe uma ponta do xale e acautelou-lo no parco aconchego. O Toino ainda tentou recusar, mas o frio era tanto que não resistiu.
A conversa entre ambos mais parecia uma oração no desejo imenso de virem a ter uma vida melhor: ele médico e ela professora!
A chuva abrandava para depois ganhar mais força. As «tchancas» não amorteciam as pedras do caminho. As ceroulas e calcinhas colavam-se molhadas aos corpos gelados. O acarreto era cada vez mais pesado.
Quiseram parar para se aquecerem um «poquenino» mas nem uns chamiços encontravam para acender uma fogueira! O Toino já tropeçava em qualquer empecilho, até que tombou… A Neves correu a ajudá-lo mas não tinha força. Soltou um uivo de dor, pensando que estava perdida.
Ainda se ouvia o eco do seu desespero quando uma sombra negra parou sobre ela. Levantou os olhos e escancarou-os de pavor: a Guarda!…
– Como é que os vossos pais permitem que façais esta vida!? Ei, tu cachopa, o que levas aí?
– Nada, não, meu senhor! O Toino não fala, não sei se já se matou!
– Qual matou, qual quê! Fitas para fugir com o acarreto! Passa para cá isso!…
– Calma aí, não vês que são crianças!? – perguntava o Cabo Joaquim que chegara entrementes – Os garotos estão aterrorizados!
Com ternura de pai, apanhou o Toino do chão e carregou-o até ao «tchoço» mais próximo! Era tarde demais! Se ele já tivesse estudado para ser médico!…
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«Gentes e lugares do meu antanho», crónica de Georgina Ferro
Adoro este tema e principalmente narrado pela minha Amiga! Obrigado