Esta simples palavra andou afastada da comunicação, até que há dias foi descoberta pelo máximo responsável do Governo, a propósito de mais umas medidas decretadas para um infindável confinamento geral, quando afirmou: «Em primeiro lugar está proibida a venda ao postigo em qualquer estabelecimento do ramo alimentar… a venda ou entrega de qualquer tipo de bebida, mesmo cafés…»
Para quem nasceu numa aldeia rural, esta palavra é-lhe totalmente familiar, porque era rara a porta que não tivesse o suplementar postigo.
Uma porta de um só batente, de meia altura em relação à porta da entrada principal da habitação, uma meia porta, sem fechadura, com um só trinco, uma tranca de madeira, que poderá ficar fechada, mesmo quando está aberta a porta. Protege a casa, permite entrar ar puro e luz natural.
Assim aconteceu na residência dos meus saudosos pais, uma casa granítica da Beira Alta, fronteiriça, soalho, chão de madeira grossa, tecto de telha vã e mourisca.
Era por esse postigo que mais facilmente abríamos a porta no seu todo, para fugirmos a um possível castigo pelo nosso mau comportamento, ou à socapa, sem barulhos, a abrirmos e irmos à vara dos enchidos, a secar junto à lareira, e subtrairmos um ou dois, num acto de «furto doméstico».
O meu Pai lá ia dando conta de que algo se passava, mas a minha Mãe, que adivinhara quem eram «os ladrões», dizia: «Zé, os nossos “ladrões” entraram pelo postigo.»
Percorri o postigo linguístico e percorro portadas, portinholas, portelas, portais… palavras com origem no verbo latino «porto», com o significado de «transportar, levar, trazer…» e com origem na preposição latina «per» (através de, por entre…).
Mas o termo postigo nasce do substantivo latino posticum, a que os dicionários dão os seguintes significados: «A porta dos fundos, escusa, parte posterior de uma edificação.» Na base está o advérbio «post», que significa «atrás, depois, detrás». Consultado um Dicionário de Língua Portuguesa, ficamos a saber que postigo significa, entre outras coisas, «pequena porta secundária aberta numa muralha, janelinha em portas ou janelas para olhar, quem bate, portinhola, guiché…»
Há anos, o saudoso D. Manuel, Bispo de Setúbal, orientando um retiro quaresmal em Fátima para diversos sacerdotes, terminou as sessões da pregação com a invocação e a proteção de Nossa Senhora do Postigo.
No final de algumas citações, os clérigos presentes começaram-se a questionar sobre esta denominação de Nossa Senhora. Conheciam muitos nomes que colavam à Mãe de Deus, agora este título, não o conheciam em qualquer livro de liturgia.
A discussão começou a adensar-se entre todos, mas ninguém arranjara coragem para interpelar o Bispo Setubalense. Em que fundamentava aquela menção? Mas há sempre alguém que avança para uma explicação.
D. Manuel Martins, na sua calma e sabedoria, clarificou que já se tinha apercebido dessa estranheza e das dúvidas. E afirmou que existe a Nossa Senhora do Postigo, que se encontra sempre à porta do Céu. São Pedro vai recebendo as almas que lhe chegam, mas há sempre umas em que tem dúvidas se devem entrar no Paraíso celeste. Nas dúvidas, vai pedir a opinião e o parecer de sua Mãe Santíssima.
Ela com o seu olhar maternal de compaixão, diz a São Pedro, que a essas pobres almas, lhes dê entrada pela Porta do Postigo do Céu. Nem só no Planeta Azul – Terra -, há a Porta do Postigo, no Céu também existe.
Também em algumas aldeias, concretamente em Aldeia de Joanes, segundo Fátima Xavier Jerónimo, quando a noiva se zangava com o namorado, cantava-lhe «eu falei da janela para o postigo», e este replicava «eu falei do postigo para a janela». Mas a namorada não desistia e respondia com o dedo indicador bem apontado, «é mentira, é mentira, que não foi assim, eu falei da janela para o jardim».
Nestes tempos conturbados do mundo da bola, aguarda-se que o Governo não feche as portas dos Estádios de Futebol, para permitir a fuga dos árbitros da fúria dos agentes desportivos, pelos postigos.
Há dias um amigo quis comprar umas garrafas de água para os filhos numa estação de serviço, de abastecimento de combustível, e não foi possível. A proibição da venda de água à porta de um estabelecimento ou do postigo não será um abuso de poder sem vestígios de racionalidade?
Tenho saudades dos postigos da minha aldeia, que vão desaparecendo por outros confinamentos urbanísticos, arquitetónicos, muitas alterações habitacionais de tão mau gosto. Eram postigos por onde entrava mais luz e ar, abertos à convivência vicinal e ao diálogo entre todos.
Aguarda-se que esta pandemia nos largue, para não se falar mais no fecho das portas e muito menos nos postigos.
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«Aldeia de Joanes», crónica de António Alves Fernandes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Março de 2012)
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