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Página Principal  /  Guarda • Histórias da Memória Raiana • Outeiro São Miguel • Região Raiana  /  Histórias da memória raiana (1.10)
21 Fevereiro 2021

Histórias da memória raiana (1.10)

Por Capeia Arraiana
Capeia Arraiana
Guarda, Histórias da Memória Raiana, Outeiro São Miguel, Região Raiana antónio alves fernandes, antónio emídio, fernando capelo, georgina ferro, joaquim tenreira martins, josé carlos lages, josé carlos mendes, ramiro matos Deixar Comentário

:: :: GEORGINA FERRO :: :: No primeiro episódio o António Emídio «apresentou-nos» a família do Luís do Sabugal quando este se preparava para ingressar no Outeiro de São Miguel. Seguiram-se o Fernando Capelo, o José Carlos Mendes, o Ramiro Matos, o António José Alçada, o Franklim Costa Braga, o António Martins, o António Alves Fernandes e o Joaquim Tenreira Martins. Esta semana a Georgina Ferro recorda como o Luís lhe tentou ensinar a rodar o arco… (capítulo 1, episódio 10.)

Histórias da Memória Raiana - Episódio 10 - Georgina Ferro - capeiaarraiana.pt
Histórias da Memória Raiana – Capítulo 1 – Episódio 10 – Georgina Ferro – capeiaarraiana.pt

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HISTÓRIAS DA MEMÓRIA RAIANA
Capítulo 1 – Episódio 10

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JÁ APRENDESTE A RODAR O ARCO?

Fora o meu tio José Manso que fizera as portas e portados das janelas para a casa nova dos pais do Luís. Trabalhara dias a fio lá em baixo na loja que lhe servia de carpintaria. No dia em que estavam prontas para assentar, a minha mãe viera a Aldeia do Bispo buscar uma carrada de batatas para vender em Manteigas. Trouxe uma camioneta de carga, daquelas muito antigas, de focinho pontiagudo. Como só iria sair da Aldeia pela calada da noite, eu não compreendia bem porquê, só ouvia dizer que os guardas lhe podiam tirar a carga tal como faziam ao carreto do contrabando. Era demasiado pequena para perceber porque não se podiam levar os produtos de umas terras para outras.

Camioneta com sacas de batatasMas, como estava a dizer, o meu tio, ainda bem cedinho, pôs, na dita camioneta, a obra já feita, mais alguns barrotes e traves, serras, plainas, o serrote, martelo e pregos e mais uma porção de coisas que não é preciso enumerar. Eu, catraia pequena, não queria largar as saias da minha mãe que só via de tempos a tempos. Então, lá fui eu na carlinga, entre o condutor e a minha mãe a caminho da aldeia vizinha. Meu tio e o meu primo foram sentados numa manta de trapos lá atrás, encostados às portas que, por sua vez, iam amparadas por «feixes» de palha.

Lá chegados conheci toda a família do Luís: os avós, os pais, o António, as suas três irmãs e claro, o Luís também.

As crianças não precisam mais do que uns minutos para serem as melhores amigas de sempre. Já nem sequer me lembrava que a minha mãe também tinha ido. Toda a manhã brincámos ao eixo, ao «motcho», à «pedrincha» e saltámos à corda. O Luís ainda quis ensinar-me a guiar o arco com o arame, o que para meu grande desgosto, não consegui aprender!

Teríamos ficado por lá de boa vontade até tocarem as Trindades, não fosse a minha mãe precisar de voltar urgentemente. Tinha que carregar as batatas antes do anoitecer. Meu tio deixava o trabalho incompleto, mas voltaria dias depois para acabar. Só não regressámos mais cedo porque os avós do Luís e os pais não nos deixaram abalar sem termos almoçado.

Já na aldeia, a minha mãe andava de casa em casa, a apanhar uma saca ou duas, conforme o que as pessoas lá tinham conseguido amealhar para vender. Eram pesadas na balança decimal, pagas em dinheiro e postas na camioneta. Depois, toda a gente lhe queria oferecer uma cestinha de batatas, uma farinheira ou duas, uma chouriça, cebolas, alhos… um bocadinho de tudo, daquele pouco mais de nada que possuíam. Em todas as casas tinha de aceitar um «poquenino» de pão e queijo, ou presunto, uma galheta de baunilha… era uma ofensa não aceitar fosse o que fosse.

– Vá, come que o comes! – diziam-lhe em todo o lado.

Quando chegou para jantar o caldo escoado, sopa que tradicionalmente se comia ao jantar em casa da minha avó e em quase todas as casas da aldeia, a minha mãe disse-lhe que por muito que tentasse já não conseguia comer mais.

– Rábia te pele, filha, nem um «poquenino» estiveste cá em casa – disse-lhe a minha avó com os olhos rasos de lágrimas.

Depois foi tudo tão a correr que eu nem dei pelo tempo abalar.

Ainda fomos a casa da Maria da Garagem, irmã do Eduardo que estava no seminário, primos da minha mãe. Mesmo ali ao lado, estavam os tios, pais do João, da Isabel, da Maria…, e a minha mãe teve de lá entrar para lhes pedir a bênção e dar o abraço de despedida. Só então se lembrou que tinha de me ir levar a casa dos meus tios, onde teria de ficar. Eu disse que também ia com ela. Não queria ficar.

– Então vai lá buscar a tua roupa, que já vamos.

Nos meus quase cinco anos de gente, desatei a correr a rua da Garagem abaixo, passei à porta da igreja onde fiz o sinal da cruz como todos fazíamos em sinal de respeito, galguei o Largo do Enxido, entrei em casa e fui ter à cómoda e enfiei todos os meus trajes numa bolsa! Já ia a sair porta fora sem dizer nada a ninguém. A minha tia ficou tão triste e as minhas duas primas, que ainda estavam de férias, nem queriam acreditar. Pareceu-lhes tão mal, que ainda hoje vejo o olhar de reprovação na minha memória. Só que a minha tia, não era uma pessoa qualquer, era a melhor psicóloga que conheci ao longo destes meus setenta e dois anos de vida.

– Deixem-na ir, coitadinha! Mãe, é sempre Mãe e só há uma! – disse ela.

Voltei atrás, dei-lhes um beijinho e desatei a correr de volta. O pior é que a minha mãe tinha demorado muito mais que o previsto e ainda estava a entrar para a camioneta que arrancava lentamente. Atirei com o meu «taleguinho» de roupa e fui agarrar-me ao gancho onde as cordas prendiam lá atrás das rodas. Mas acabei estatelada no chão. A minha tia tinha vindo atrás de mim e foi apanhar-me e com todo o seu carinho levou-me para casa.

Por lá fui ficando, até completar a terceira classe. Fui fazer a quarta classe e admissão ao liceu, em Manteigas.

Depois, fui para o Colégio. Vinha de ano a ano a casa. Passava uns dias em Aldeia do Bispo com a tia e alguém me levava a Manteigas.

Andava no terceiro ano, quando o meu tio faleceu. Nesse mesmo ano meu pai foi para França. E pouco depois também foi a minha mãe com os meus cinco irmãos mais novos.

A minha tia foi viver para o Alentejo, com o filho que era sacerdote em Brotas, a dez quilómetros de Mora. E eu ia passar as minhas férias com eles. Por sorte, meu primo vinha sempre passar uns dias do mês de Agosto à Aldeia. Aproveitava para ir a banhos perto de Valverde del Fresno e nós ficávamos por lá.

Era tudo tão diferente! Já não havia ninguém à nossa espera. A casa cheirava a mofo. O lume já não precisava de estar aceso todo o dia, porque tínhamos fogão a gás. Também, a minha avó Neves irmã da minha tia, tinha ido para casa dos filhos que estavam em Lisboa e em Almada. A minha Tia Rita, falecera. O meu tio Eduardo e a minha tia Palmira tinham já muitos netos a encher a casa nessa altura. Mas ainda era muito bom voltar a abraçar tanta gente…

Nos currais já não se viam os varais dos carros das vacas mas havia automóveis estacionados por todo o lado, com matrícula francesa. Já não era preciso ir ao chafariz porque havia água em quase todas as casas. A luz elétrica tinha ocupado o lugar da candeia e do candeeiro de petróleo.

Em 1966 voltei a encontrar o Luís.

Passámos pelo Outeiro, à procura do Padre Geadas. É que, o Padre José Alves, seu antigo colega no Seminário da Guarda, tinha sido ordenado sacerdote em Évora, no passado dia três de Julho e ia «Cantar Missa Nova» na Lageosa.

Então, o meu primo vinha propor-lhe vir buscá-lo de véspera ao Outeiro para irem juntos à cerimónia e poderia ficar lá em casa da minha tia.

O Luís estava com o senhor Padre Geada e reconheceu-nos! Perguntou-me logo se eu já tinha aprendido a rodar o arco! Ao princípio não percebi a pergunta, só depois é que soube com quem estava a falar.

Estava um rapagão, charmoso e gentil. Tal como eu, ele já tinha completado o ensino liceal. Nenhum sabia ainda o que nos ia esperar o mês de Outubro. E dava a ideia que cada um de nós precisaria de outra manhã, como aquela de há uma dúzia de anos atrás, não para brincar, mas para pôr a conversa em dia. Então, ofereceu-se para ser ele a acompanhar o Senhor Padre Geadas no dia seguinte. Aproveitava para ir ver do Amigo Alcínio Vicente que, certamente, estaria por lá.

:: ::
«Histórias da Memória Raiana», (episódio 10), por Georgina Ferro


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Os episódios das «Histórias da Memória Raiana» são escritos semanalmente por um autor diferente. Participaram até agora: António Emídio, Fernando Capelo, José Carlos Mendes, Ramiro Matos, António José Alçada, Franklim Costa Braga, António Martins, António Alves Fernandes, Joaquim Tenreira Martins e Georgina Ferro.

Apesar de fazer referência a nomes e lugares verdadeiros da região raiana dos territórios do Sabugal esta é uma obra de ficção e qualquer semelhança com nomes de pessoas, factos ou situações terá sido mera coincidência (ou talvez não!)

José Carlos Lages

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Capeia Arraiana
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Diariamente desde 6 de Dezembro de 2006.

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