Hoje estou a escrever-vos no dia da apresentação de um livro em que fui convidado para ser co-autor. Como o livro só vai estar à venda em Luanda, obviamente nunca iria usar o facto de ser cronista do Capeia Arraiana para o publicitar. Será mesmo muito dificil qualquer dos leitores ou leitoras, o adquirirem.

No entanto, acho que devo marcar a data, e resolvi escrever uma carta à co-autora, surpreendendo-a no proximo dia 19 de Fevereiro, data da publicação desta crónica. Na realidade pretendo registar a sensação de tal oportunidade, num outro país, cultura e até clima…
«Estimada Isabel Sango,
Que pensarão os meus antepassados quando acostaram aqui pela primeira vez?
Que pensarão os teus antepassados de escreveres um livro com um português?
Na realidade, para mim, um «mais velho», como me chamam na Lunda Norte, é uma honra ter participado neste projecto. Fiquei surpreendido com a forma como «respeitam» a língua, a cultura e os eventos associados a livros e música. Confesso que hoje já não vejo isso no meu país, onde a cultura resume-se a um clube de notáveis, porque os jovens artistas, na grande maioria, têm de recorrer aos supermercados para sobreviver.
Pela experiência que tive a oportunidade de conviver convosco, e desde já agradeço, vejo que a juventude tem um potencial enorme no gosto de escrever, principalmente poesia. Até o Dr. Agostinho Neto foi um grande poeta, e adorei o Sagrada Esperança, texto que me marcou particularmente, pelo nome da minha mãe e de sua mãe, bem como ter sido dedicado à terra que me acolheu: a Lunda Norte.
Não sei o que irei sentir amanhã. Estou com grande expectativa no dia de hoje. Mas vivo uma enorme felicidade pelo apoio que dei ter, de facto, sido tão util para a concretização dos vossos sonhos. Vocês merecem, e como cristãos que sois, bem podem acreditar que o Senhor ajuda quem se esforça, mesmo que seja quando menos esperamos.
Este projecto por si já ganhou, mesmo sem sabermos como hoje irá decorrer a apresentação. Todas as dificuldades foram sendo superadas porque todos nós acreditámos. E essa lição gostava que retivessem, porque a vossa juventude, ainda não ajuda na negociação entre as diferentes partes. Um projecto só se concretiza com cedências e conquistas. E a palavra do «mais velho» ainda faz falta para vos ajudar a encontrar o rumo, o objectivo, que é partilhado.
Termino apenas para te desejar a ti, Isabel Garcia Sango, as maiores felicidades pessoais e profissionais, e acredito, se continuares neste caminho de humildade, honestidade e de Fé, nada te faltará, por muito que pareça que o mundo acabe amanhã. Nunca te esqueças do primeiro poema do nosso livro, Sangue. Tudo indica ser uma tragédia, mas é exatamente o oposto, porque na realidade todos e todas, enquanto seres vivos, o têm.
Para este «mais velho», ou Cota como me têm tratado, é um enorme prazer falar hoje na sala nobre dos Escritores Angolanos, e sentir que todos e todas me irão entender. Não há maior honra para um estrangeiro!
Como se diz em Angola nas despedidas: Estamos Juntos!»
Cazenga (Luanda), 10 de Fevereiro de 2020
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«No trilho das minhas memórias», crónica de António José Alçada
Parece impossível um homem mais velho unir-se a uma jovem mulher num projecto cultural, ainda por cima falando de Vivências, algo que de longe nota-se a pouca experiência que tenho.
Muito obrigada, amei o projecto, não importou a cor, o continente, a idade. A língua foi o nosso elo de ligação.
Obrigada meu Kota
Tamos juntos