• O Primeiro
  • A Cidade e as Terras
  • Contraponto
  • Cronistas
  • Documentários
  • Ficção
  • História
  • Personalidade Ano
  • Ficha Técnica

Menu
  • O Primeiro
  • A Cidade e as Terras
  • Contraponto
  • Cronistas
  • Documentários
  • Ficção
  • História
  • Personalidade Ano
  • Ficha Técnica
Página Principal  /  Aldeia do Bispo • Concelho do Sabugal • Gentes e lugares do meu antanho • Região Raiana  /  Tempo de encher as t’chouriças
18 Fevereiro 2021

Tempo de encher as t’chouriças

Por Georgina Ferro
Georgina Ferro
Aldeia do Bispo, Concelho do Sabugal, Gentes e lugares do meu antanho, Região Raiana georgina ferro 1 Comentário

Naquele dia em que a neve cedera lugar ao gelo escorregadio, nos caminhos e quelhas da nossa aldeia. Só se estava bem na cozinha à roda do lume. Nem os rapazes iam esperar as cachopas ao chafariz, nem sequer se viam os vizinhos a ir ao curral buscar lenha ou qualquer outra coisa. Era a altura de descer à loja pelas escadas do alçapão.

Encher as tripas das tchouriças no barranhão de barro
Encher as tripas das t’chouriças no barranhão de barro

Mas, a tia Felisbela e o tio António tinham matado o porquinho e a carne tinha de ser enchida.

Eles iam sempre lá a casa ajudar e não era justo que ficassem sozinhos com todo aquele trabalho. Por isso, enfiámos as botas altas de borracha sobre as meias grossas de lã. Eu vesti o sobretudo e a tia pôs o xale pesado de merino. E lá fomos…

Eu levava os braços enrolados à volta da cintura da tia e ela aconchegava-me com imenso carinho ao seu xale. Quando chegámos o tio nem queria acreditar. Estava ele a tentar ajudar na enchedura. Mas, como tinha pouco jeito, só enfiava a massa das farinheiras e a tia apertava depois o atilho para as fechar.

Meu tio era irmão da minha mãe e pediu a benção à nossa tia Maria, que era sua madrinha e tia, por ser irmã de minha avó Neves,. E, enquanto ele atiçava o lume, ia dizendo que não devíamos ter vindo porque estava tanto frio e ainda íamos adoecer. Mas ela respondeu-lhe que era um «impatchoso!…» e começou a descalçar as botas para pôr as «tchancas» que tinha levado num taleguinho debaixo do braço. Nessa altura não havia sacos de plástico!

A tia Felisbela deitou uma «pinguichinha» de água quente na bacia para que lavasse as mãos e, logo-logo… estavam ambas de volta dos «barranhões» da carne numa lufa-lufa interminável.

Meu tio, retirou umas febrinhas e foi enchendo a grelha que pusera sobre as brasas que já havia afastado, com a tenaz, um «poquenino» da labareda do lume. Depois, fez um chazinho de flor de carqueja, trouxe umas canecas, pão e uma caixinha de galhetas que colocou na mesa pequena para todos comermos.

Meu tio era um verdadeiro artista, pegou num ponteiro e numa pedra de escola e começou a desenhar animais para eu estar entretida. Como o lume dava bastante claridade, não acendeu logo o candeeiro. Mas ainda o acendeu antes do toque das Avé Marias porque estava escuro dentro de casa. Foi então que começou a fazer-me sombras chinesas. Como eu achava lindo o coelhinho, o cão, o pombinho…

Já a noite ia adiantada quando levantaram os varais da carne e os puseram «à chaminé». Já tinha chegado meu tio «Zé Manso», marido da nossa tia, para nos fazer companhia no regresso. Ele ajudou a subir e posicionar os «paus da carne» ao fumeiro.

Apanharam-se as brasas para encher a braseira do estrado e fez-se um lume pequenino para a carne não assar. Eu fiquei ao cantinho da chaminé enquanto eles comiam o petisquinho que estava na mesa pequena da cozinha para não irem para a sala apanhar frio. Depois, agasalhámo-nos bem antes de sair para a rua. Meu tio disse que não era preciso levar o candeeiro de mão porque estava lua cheia de Janeiro e, também, o frio era tal que a chaminé iria quebrar com a chama quente lá dentro. Ele tinha uma pilha espanhola, que iluminava o caminho em noites muito escuras, mas não era preciso acendê-la, embora tivéssemos que nos preocupar em ver onde íamos pondo os pés para não cairmos no gelo.

O regresso era sempre uma alegria de risos e pequenas corridinhas. Depois era o costumado ritual de dar torcida ao candeeiro que o tio deixara aceso, varrer o lume e retirar o rebolinho quente para os pés, ou encher a botija com a água quente da panela de ferro, pedir a benção e ir mergulhar entre os lençóis de linho que cobriam o colchão de folhelhos e mantinham o cheiro a sabão e à cora ao sol da ribeira… Ali, onde eu sonhava aqueles sonhos lindos de menina, quando a vida ainda tem a verdadeira dimensão de cada dia, vivido sem os medos e sem as preocupações que os adultos tanto choram e temem!…

:: ::
«Gentes e lugares do meu antanho», crónica de Georgina Ferro

Partilhar:

  • Tweet
  • Email
  • Print
Georgina Ferro
Georgina Ferro

Origens: Aldeia do Bispo (Sabugal) :: :: Crónica: Gentes e lugares do meu antanho :: ::

 Artigo Anterior Eleições autárquicas
Artigo Seguinte   Postal TV (365)

Artigos relacionados

  • Aldeia do Bispo

    Terça-feira, 23 Fevereiro, 2021
  • A Ti’ Maria

    Terça-feira, 16 Fevereiro, 2021
  • O acordar…

    Quinta-feira, 11 Fevereiro, 2021

1 Comentário

  1. Avatar Francisco Vaz Responder a Francisco
    Quinta-feira, 18 Fevereiro, 2021 às 14:09

    Parabéns, Georgina. Aprecio muito os seus artigos, cujo mérito é extraordinário, pois neles me revejo pessoalmente e reflectem o que era a vida de “antanho”, do nosso tempo que é preciso recordar e levar aos mais novos.
    Ainda bem que há quem recorde estas memórias.
    Continue assim.

Leave a Reply Cancel reply

RSS

  • RSS - Posts
  • RSS - Comments
© Copyright 2020. Powered to capeiaarraiana.pt by BloomPixel.
loading Cancel
Post was not sent - check your email addresses!
Email check failed, please try again
Sorry, your blog cannot share posts by email.