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Página Principal  /  Concelho do Sabugal • Histórias da Memória Raiana • Região Raiana • Vale de Espinho  /  Histórias da memória raiana (9)
14 Fevereiro 2021

Histórias da memória raiana (9)

Por Capeia Arraiana
Capeia Arraiana
Concelho do Sabugal, Histórias da Memória Raiana, Região Raiana, Vale de Espinho antónio alves fernandes, antónio josé alçada, antónio martins, fernando capelo, franklim costa braga, joaquim tenreira martins, josé carlos lages, josé carlos mendes, ramiro matos Deixar Comentário

:: :: JOAQUIM TENREIRA MARTINS :: :: No primeiro episódio o António Emídio «apresentou-nos» a família do Luís do Sabugal quando este se preparava para ingressar no Outeiro de São Miguel. Seguiram-se o Fernando Capelo, o José Carlos Mendes, o Ramiro Matos, o António José Alçada, o Franklim Costa Braga, o António Martins e o António Alves Fernandes. Esta semana o Joaquim Tenreira Martins acompanha o pai até à Feira de São Pedro no Sabugal e conhece o Luís… (capítulo 1, episódio 9.)

Histórias da Memória Raiana - Episódio 9 - Joaquim Tenreira Martins - capeiaarraiana.pt
Histórias da Memória Raiana – Episódio 9 – Joaquim Tenreira Martins – capeiaarraiana.pt

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HISTÓRIAS DA MEMÓRIA RAIANA
Capítulo 1 – Episódio 9

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NA FEIRA DE SÃO PEDRO NO SABUGAL

Tinha principiado as férias grandes, havia três dias, e ainda mal tinha visitado os meus amigos da aldeia. Na alfaiataria, o meu pai apressava-se a terminar os fatos que lhe tinham encomendado alguns fregueses da redondeza e preparava-se para fazer a Feira de São Pedro, no Sabugal, que se realizava todos os anos a 29 de junho. Eu tinha terminado o segundo ano de Filosofia no Seminário da Guarda e estava desejoso de distender as pernas. Quando o meu pai me perguntou se não me importava de o acompanhar até à vila, respondi com entusiasmo: claro que sim!

— Mas não estás cansado dos exames que terminaste há pouco?
— Pai, quem corre por gosto não cansa!
— Então vai deitar uma faixa de feno ao cavalo para tomar forças, que a feira é amanhã.

Mal entrei na loja, o cavalo relinchou. Ainda lhe bati umas palmadinhas no pescoço para lhe perguntar como andava e a anunciar-lhe que amanhã tínhamos de fazer uma longa caminhada. Abanou a cabeça a dizer que sim, que estava de acordo.

A minha mãe preparou o tradicional farnel das feiras e mercados: ovos com chouriça e algumas fatias de pão. Lembro-me que, quando o meu pai regressava, à noite, dos mercados, eu ia sempre ao saco da merenda para ver se havia sobras do tradicional petisco.

Na manhã do dia 29 de junho, pelas sete horas, o meu pai preparava-se para carregar os quatro fardos das peças de fazenda, duas no nosso cavalo e outras duas no do meu avô. Era feira e não queria ficar atrás de alguns feirantes que vinham de longe com as suas furgonetas, com toda a espécie de tecido. Expunha apenas aquilo que designava por fazendas pretas destinadas a confecionar fatos, pois o pronto-a-vestir ainda não estava em uso nas nossas terras.

De Vale de Espinho ao Sabugal, para fazer os quinze quilómetros de estrada e de atalhos, tínhamos de contar três boas horas de caminho.

Pelas dez horas, já estávamos a montar a tenda no Largo da Fonte, no lugar habitual da feira. Tínhamos colocado os cavalos debaixo do alpendre da Dona Prazeres do Ti Arlindo Mono, onde também colocava os costaneiros e os cavaletes para montar a tenda. Eu trataria dos cavalos: um bom bornal com centeio e milho dependurado pelas orelhas. O segundo seria dado antes do regresso, pelas seis horas da tarde.

A feira de São Pedro era um momento importante na vila do Sabugal, no princípio dos anos setenta, pois concentrava um número importante de pessoas que acorria das diversas aldeias do concelho.

O meu pai gostava imenso das feiras e mercados. Encontrava-se ali com os seus colegas feirantes que vinham da redondeza, metia conversa com amigos e conhecidos e abordava os eventuais fregueses que passavam em frente da sua tenda que davam uma olhadela para as peças de fazenda ali expostas.

— Esteja à vontade! Escolha um tecido para si ou para seu filho que eu faço-lhe um fato de se ver ao espelho! Agora vêm as festas do mês de agosto e no mês de setembro a festa da Senhora Santa Eufêmea, e toda a gente tem necessidade de umas calças ou de um casaco ou até de um fato!

Exibia peças de terylene, tecido que estava um pouco na moda, porque os fatos duravam mais e as calças tinham sempre o vinco bem visível. As de lã eram escolhidas por rapazes que encomendariam um fato para o dia do casamento ou até por jovens que frequentavam o Liceu da Guarda ou os colégios da região. Também vendia o chamado surrobeco amarelo, normalmente, para as calças dos pastores, onde a chuva não repassava.

As pessoas paravam, apalpavam um tecido, apalpavam outro e imaginavam-se com um fato domingueiro. O meu pai, como bom vendedor que era, desdobrava a peça que o freguês tinha apalpado com alguma demora, e colocava-a ao ombro, descendo o tecido até aos joelhos para ter a oportunidade de se imaginar vestido com um fato de bela fazenda. Não era raro que o negócio não se concluísse e, claro, o melhor de tudo era que o feito fosse feito pelo meu pai.

Eu divertia-me com as suas habilidades, com a sua psicologia para cativar os clientes, com as seus naturais e subtis técnicas de venda. Um profissional inato, possuidor do diploma da terceira classe tirada com o professor Moreira que, ao notar a sua inteligência, o tinha proposto para ingressar no magistério primário, mas, devido ao falecimento de sua irmã Isabel, ceifada, ainda jovem, pela pneumónica, em 1918, teve de reorientar a sua vida.

O negócio não estava a correr mal. Já tinha vendido três fatos, com pano e feitio. Era tempo de partir porque o dia estava ganho. O meu avô tinha começado a enfardar e eu tinha ido buscar os cavalos. Mas, como em todas as feiras e mercados, há sempre um retardatário que pretende obter a pérola rara ou comprar a pechincha do dia. Oxalá não fosse o caso.

Um casal aproximou-se da tenda do meu pai, acompanhado de um jovem, talvez um pouco mais novo que eu e que parecia conhecer-me. Entrecruzámos o olhar.

— Sim, é possível que já nos tenhamos visto…
— Na Guarda?
— Talvez no Madrilena ou no café Mondego…
— Eu frequento, de vez em quando, os dois, com alguns amigos, mas só ao fim-de-semana. Estudo filosofia no Seminário da Guarda.
— Eu estou no Outeiro de São Miguel.
— Então bem-vindo à tenda do meu pai!
— Senhor José, o meu filho Luís estuda no Outeiro de São Miguel e, como acaba de ficar bem no quinto ano, gostaria de lhe comprar um fato.
— O meu pai quer que eu seja doutor! — disse-me num aparte.
— É assim que se começa, primeiro com um bom fato e depois logo se vê! — encorajei-o eu.
— O seu rapaz precisa de se apresentar como deve ser! — sublinhou o meu pai. — Passará um dia para a universidade e isso não é para todos. Só os mais inteligentes é que lá chegam!
— E os que se agarram ao verbo, que se agarram aos livros todos os dias e que dão conta do recado! — acentuou o pai do Luís.
— Acho que este azulinho vai-lhe ficar bem. Venha aqui, Luís! — E o meu pai desenrolou a peça de lã do ombro até aos joelhos. — Até parece o filho de um ministro!
— Ó senhor José, não me lance dessas flores! Os ministros é lá para Lisboa. Nós, aqui no Sabugal, somos agricultores, muitos até têm de emigrar e que nos deixem em paz! Mas nunca se sabe. Se ele continuar a trabalhar bem, lá teremos de o pôr em Coimbra onde se formaram a maior parte dos ministros. Oxalá que a sua profecia se aplique um dia a ele próprio. Temos de ter grandes sonhos para os nossos filhos, não é verdade, senhor José?

O Luís e eu seguíamos a conversa de longe e, enquanto o negócio se concluía, estávamos falando de alguns alunos que conhecíamos no Outeiro de São Miguel, no Colégio de São José e no Liceu da Guarda.

— Venha aqui, Luís. Vamos tirar as medidas. — disse o meu pai.
— Como é ele que paga, não tenho nada a dizer! — disse o Luís, empiscando-me o olho.
— Daqui a três dias, pode telefonar-me para o posto público, o telefone da Gina, que é ao lado da minha alfaiataria, para lhe dizer quando é que o Luís pode vir a provar o fato.

A feira tinha corrido bem. O meu pai já tinha obra até ao mês de setembro. O regresso para Vale de Espinho parecia agora mais curto. Os cavalos também tinham sido bem alimentados e, pela fresca, andava-se bem.

Eu fiquei contente por ter conhecido o Luís e já tínhamos combinado que nos encontraríamos mais uma vez quando viesse fazer a prova do fato. Se houvesse oportunidade, teria muito gosto em apresentar-lhe outros colegas e amigos. Alguns frequentavam também o Outeiro de São Miguel.

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«Histórias da Memória Raiana», (episódio 9), por Joaquim Tenreira Martins


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Os episódios das «Histórias da Memória Raiana» são escritos semanalmente por um autor diferente. Participaram até agora: António Emídio, Fernando Capelo, José Carlos Mendes, Ramiro Matos, António José Alçada, Franklim Costa Braga, António Martins, António Alves Fernandes e Joaquim Tenreira Martins.

Apesar de fazer referência a nomes e lugares verdadeiros da região raiana dos territórios do Sabugal esta é uma obra de ficção e qualquer semelhança com nomes de pessoas, factos ou situações terá sido mera coincidência (ou talvez não!)

José Carlos Lages

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Capeia Arraiana
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Diariamente desde 6 de Dezembro de 2006.

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