A tarde a que assisto sustém-se de um céu azul/manchado e aconchega o dia que, calidamente, vai findando neste mês de fevereiro ainda desconfiado de frescuras. O vento boceja frouxamente e vai acariciando alguns difusos embargos.

Escolho a janela que me permite sondar o vale e vejo, a meia distância, um bando esfrangalhado de pássaros que, em chilros espaçados, voam placidamente tal qual flutuassem no vazio de entremontes.
O sossego em que atento oferece-me paz e serenidade bastantes para disfrutar a imensidão que me acolhe, fluindo, em mim, a tranquila sensação de a integrar de corpo e alma.
Sobre a sua usual prateleira, a televisão sente-se relegada e tenta chamar-me a atenção insistindo em sucessivos relatos da pandemia. Acedo à solicitação e, num passageiro olhar, diviso-lhe, no ecrã, o filme de uma urgência hospitalar, temerosa, que me contrai o peito e me recorda que estou confinado.
Assim se me esvai o propósito para uma realidade prenhe de perigos:
– E se eu me infetasse?
Divago, pois, por instantes. Respiro profundamente e deduzo:
– Enquanto respiro sobrevivo!
Devagar e compassadamente segue o som do meu respirar. O coração ostenta um bater nítido provando- me um presente saudável. Contudo, a evidência da pandemia desnuda receios e fragilidades perante o acaso da vida que sucede aleatoriamente e sem discriminações.
– Respira – ditei a mim próprio.
Quiçá esta diretriz já tivesse sido repetida a vários enfermos, sob forma de estimulo, para que aproveitassem cada mínimo instante das suas vidas respirando, tentando viver. Ante tais confrangedoras imagens, apenas me confortei pensando que talvez esses supostos agonizantes tivessem conseguido respirar e que, por essa explicita razão, não tivessem morrido.
Ocorreu-me, pois , muito seriamente, a noção do valor da vida e o dever (mais que o direito) de lutar pela sobrevivência, não apenas individual mas coletiva. E, assim, substitui o desejo de sair, pelo dever de confinamento.
Sobeja-me, por conseguinte, a possibilidade de ar puro através da janela e volto a recomendar a mim próprio:
– Respira, respira profundamente. Porque sim. Porque respirar é viver.
:: ::
«Terras do Jarmelo», crónica de Fernando Capelo
Leave a Reply