A minha infância e primeiros anos de adolescência foram muito marcados pela abalada, quase sempre pela calada da noite, de milhares de sabugalenses que, «a salto», como se dizia na altura, emigravam clandestinamente sobretudo para França.
Não admira assim que um dos meus primeiros escritos, datado de 1969, fosse sobre este assunto:
«10 contos (custara a arranjá-los carago!), 10 contos para ir prá França. Correra o Povo todo e só o Jaquim, o dos Brasis, lho emprestara mas, safado! (quem o tem…) a 6%.
Mas agora (era à noite já), aí estava a preparar a trouxa para abalar. A mulher lá continuava, que raio, a chorar, a lamuriar que cá também se vivia, mas não, carago, um homem também tem ambições e aquilo não era vida. (o filho que a mulher trazia na barriga havia de ter vida melhor, assim Deus o ouvisse…); uma casinha com duas divisões (mais parecia casa de pobre; e o que era até ali?…) e uma vida negra a trabalhar para este e para aquele por tuta e meia. Ná… lá em França havia de ganhar muito mais, pois não via o Zé da Fonte que voltara de carro, boas fatiotas, notas das grandes, tudo à grande e à francesa?!
Pois ele, Manel da Luz, também havia de trazer de lá um desses carrões a botar cá figura a esses senhores que agora lhe cuspiam na cara. Depois é que ele se riria (sr. Manuel para cá, sr. Manuel para lá, haviam de ver).
Mas a mulher, agoirenta, lá continuava nas suas lamúrias e ele, môcha; deixa falar, já está, já está e lá é que se ganha. Ora um homem não há de ficar sempre na mesma, progride (que ele lá pra conversas nunca fora, mas já na escola a sra Professora dizia que era dos mais inteligentes…), e se os outros burros tinham ido porqué qu’ele não havia d’ir. Estava decidido e ia mesmo.
Que a lavoura estava de todo. Tempos maus, chuvas, geadas, faltas de adubos (e o dinheiro pra eles?). E sem dinheiro como se come?
Ná, acabara. Daqui prá frente só França. Era o sonho dele, e tinha cá uma fezada (então não lhe parecera que a Sra da Graça o tinha abençoado na festa em que ele, em conversa com o Zé da Fonte, decidira ir?) O Zé prometia-lhe arranjar lá um emprego, para começar, e depois se veria. Como ele iam muitos e todos de lá voltavam cheios.
Que ele não era pra ficar; uma casa boa, umas propriedadezitas e ninguém mais o por lá via. Cá na terra é que estava bem, ao pé da mulher, dos filhos que haviam de vir, se Deus quisesse, da terra dos seus pais que Deus guardasse.
Pronto, não se falava mais, à noite era a abalada. Que Deus e a Sra da Graça o ajudassem…»
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«Sabugal Melhor», opinião de Ramiro Matos
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Setembro de 2007)
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