Este tempo frio leva-me sempre ao aconchego da lareira da cozinha na aldeia.

Não era só ao serão que se acendia o candeeiro a petróleo e nos sentávamos em roda do lume, mas sempre que lá fora nevava ou caíam cordas de água ou, se o vento furioso arrancava ramos dos grossos carvalhos e castanheiros e escurecia o céu com nuvens densas e cinzentas enegrecidas.
Nesses dias, jaziam poisados na loja, bem juntinhos, os sachos, os ancinhos, as enxadas, forquilhas e as outras alfaias usadas a toda a hora nos dias solarengos e menos gélidos.
Então, logo depois do almoço, subiam à cozinha os cestos das maçarocas de milho para desgranar, seiras de grão de centeio para eu lhes catar os cornachos, os velos de lã e de linho já cardado, macerado e espadelado para a tia fiar; também aparecia o sarilho para dobar o fio dos fusos já cheios; e o caldeiro da barrela, para cozer as meadas com sabão e cinza.
Por vezes, a tia rasgava roupa já gasta em tiras estreitas, com que eu fazia novelos ou enchia as canelas para levarmos ao tear a fazer mantas de trapos. Foi nessas tardes de dias escuros, que a tia me ensinou a fazer cachecóis de malha, meia e luvas com cinco agulhas; ensinou-me também as orações que a bisavó Benta rezava ao Anjo da Guarda ou, se a trovoada atordoava todo o planalto, as orações eram a Santa Bárbara Bendita.
Algumas vezes o tio vinha sentar-se uns «poqueninos» ao lume porque na carpintaria estava muito escuro, mesmo com o candeeiro aceso. Foi em dias assim que ele, com a navalha, ia talhando tubinhos de pau de sabugueiro do mesmo tamanho, com que fizemos uma cortina para a porta da entrada. Digo que fizemos, porque eu é que enfiava o arame que o tio retorcia em cada ponta! Mas, só havia jogos de cartas ao serão porque durante o dia era um pecado de preguiça e havia sempre muito trabalho para fazer.
Havia outra coisa que eu adorava: ouvir os meus tios a cantar. Tinham ambos uma voz linda, muito afinada e melodiosa. Cantavam, sobretudo, cantigas em castelhano que tinham aprendido em moços quando iam à azeitona para terras de Espanha. Mas cantavam também fados lindíssimos que falavam da lua, do povo cigano, da pobreza e da guerra. É por isso que adoro dias de nevoeiro, dias escuros e frios!…
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«Gentes e lugares do meu antanho», crónica de Georgina Ferro
(Cronista no Capeia Arraiana desde Novembro de 2020.)
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