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Página Principal  /  Angola • Covilhã • No trilho das minhas memórias  /  Uma tarde em Cacuaco
22 Janeiro 2021

Uma tarde em Cacuaco

Por António José Alçada
António José Alçada
Angola, Covilhã, No trilho das minhas memórias antónio josé alçada, cacuaco 1 Comentário

Inspirado no poema de Vinícius de Moraes, fui até Cacuaco, um muncípio juntinho a Luanda e que desfrua de uma zona balnear. Mas deixei a postura europeia e usei os transportes públicos, como um cidadão igual a qualquer outro. Foi um passeio memorável, onde mais uma vez, pude constatar a vida no coração de África.

Uma tarde em Cacuaco (Angola)
Uma tarde em Cacuaco (Angola)

Com a ajuda a minha amiga Sango, poetisa angolana, com vários prémios, segui os seus passos na direcção de Cacuaco, na esperança de encontrar o famoso cemitério de navios, talvez um dos locais de rara beleza, neste insólito mundo pandémico. Porém, errei o «alvo» por uns escassos 30 quilómetros. Não seria muito senão andasse a pé.

Estando já um adepto do táxi angolano, segui o percuso Cuca-Kuanza-Cacuaco. Para além do preço é sempre animado sentir a vida nestes países onde não se nota nada parado. O primeiro impacto é como outro bairro peri-urbano de Luanda, mas a minha amiga orientou-me no caminho certo.

Desci uma avenida, larga e arejada, bordejada por palmeiras, indo entroncar numa zona comercal. A Igreja Católica, de São João Baptista, ainda ostenta as cinco chagas de Cristo do escudo português. A calçada tem zonas onde os calceteiros terão passado. Curiosamente muito em conservada. As lojas são pequenas casas com a telha da nossa terra onde um jardim com bancos e arvoes escondem o sol, que de vez em quando aparece. Saliento que o angolano não aprecia o sol. Gosta da pacata sombra sentido a frescura quando aparece.

Tal como muitas terras de pescadores, continuo a descer para o mar deparando-me com os típicos restaurantes e bares de praia. Tomei um café e notei uma peocupação com a higiene das mesas e do chão. Aliás a dona, não gostou que escrevesse estas minhs notas, antes de limpar a mesa e colocar um individual.

Chego então à dita praia. O serviços municipais limpavam o lixo dando a entender que as noites são animadas no areal. Porém, nada de cemitérios. Nem de navios ou outros. Pergunto a um cidadão que me indica o Norte, dando-me a entender que faltaria uns quilómetros. O melhor seria apanhar um táxi. Achei que não seria preciso. Precisava de andar. Fazer exercício, como muitos cidadãos que passeiam a pé na praia para relaxar da semana de trabalho. Algumas mulheres vão andando batendo latas de bebidas vazias a simular a batucada fazendo movimetos de dança africana.

Já tinha saudades do aroma do mar. Fui caminhando até que vi valas com esgoto, aliás, como no tempo do velho Portugal. Não deitavam cheiro, mas doenças nada amistosas andavam por ali.

Resolvo ir pela estrada, rumando para um Norte desconhecido. A questão é que navios haviam, mas cheios de saúde. Pergunto a um homem, talvez com quarenta anos onde ficaria o dito cemitério de navios abandonados.
Bem longe. Só mesmo de táxi. Indo a pé chegaria ao anoitecer (aqui anoitece por volta das 18 horas).

Achei melhor regressar. Tinha encontro com a Sango por volta do meio-dia, para retornar a Luanda. E ainda não estava habilitado a aventurar-me a ir sozinho nos famosos táxis. Seriam vários transbordos e perguntar a alguém qual, ou quais, ira parar onde menos esperava.

Cheguei ao centro do Cacuaco, eram onze e meia da manhã. Com o tempo que tinha fui fazer mais T-shirts para o Natal. Como aqui é verão, as familias compram T-shirts e fazem «pandã» de cor ou de modelo, ou até mesmo de textos impressos. Este ano vou passar com as T-shirts impressas com o meu poema «O muro de Setúbal», havendo várias cores e tamanhos, para todos e todas as presentes, que sou sincero, ainda nada sei a esta hora, muito menos o número de convivas.

Aproveitei para visitar o interior da Igreja de São João Baptista, numa rua cheia de calçada portuguesa. Os fiéis manifestam se perante o altar. Andam de joelhos, falam alto para a cruz, choram e deixam os sapatos à entrada. Há pessoas que depois de rezarem dão esmola. Uma mulher com uma foto plastificada num cesto acolchoado chora à Virgem em madeira. Alguém querido partiu. A maior parte dos fiéis são senhoras com mais de 40 anos. Apenas há um homem que se manifesta a falar. Aparentemente seria um doido na Europa, mas não. Procura uma lógica que persiste em não encontrar. Pede a Deus misericórdia para o que o atormenta.

O chão da Igreja brilhava de limpeza. Ao ver que estava calçado saí envergonhado. Estava de sandálias e com os pés com areia da praia.

De facto o tempo corre aqui, mas o melhor é não ligar ao relógio. Almoçou-se às 14 horas, por diversas vicissitudes a começar pela impressão das camisolas a acabar no atraso da Sango, por motivos profissionais.

O regresso foi alucinante. Ainda nem estava a tentar a entrar no táxi e «alguém» tentou-me tirar a carteira do bolso, não fosse o taxista e alguns populares nem me apercebia. Ainda correram atrás ele mas de pouco valeu. Porém a carteira permaneceu onde estava.

Durante a viagem, nesse mesmo táxi, o taxista pára e pede-nos uns minutos para ir comprar uma camisola. De facto não durou muito tempo, mas ficando a trabalhar o motor, alguém até podia se ter lembrado do seu dia de sorte. Felizmente não.

Chegámos à praça do Kikolo. Até hoje foi o que mais me impressionou em África. Nem sei descrever. Aroma: a Lota de Setúbal, nos anos 60.

Movimento: gente por todo o lado. Só faltavam a voar. Produtos à venda: tudo o que se vende, mesmo a contrafacção mais requintada (Dior, Chanel, Yve St Lauren, Lacoste, etc.). Um sujeito tentou vender-me uma mota, mas usada, bem usada. Nem deu tempo para ver a marca e modelo.

Com a ajuda da Sango lá conseguimos indo «fugir» à venda ambulante, e entrar no táxi certo. Ia para o «Golf2». Ela ficaria no caminho. Já era tempo de me safar por mim. Mas pediu ao cobrador que tivesse atenção para a minha paragem, «curva da Filda».

O táxi lá arranca, cheio como um lata de sardinhas. Primeiro foi a vez dela. Despedimo-nos e voltou a pedir ao cobrador para não se esquecer do «kota».

Continuo a viagem, só que desta vez a grande velocidade. De facto as zonas por onde passámos eram pouco «friendly». De repente o motorista fala em tom nada amistoso com o cobrador. Usam uma língua materna, deixando-me totalmente sem pereber.

Chego já perto da minha casa, no Cazenga. O motorista sai zangado, mas o cobrador substituí-o, continuando a viagem. O táxi ia cheio.

Quando avistei ao longe o bairro onde moro, o novo motorisa avisou-me e descansou-me. Não se tinha esquecido. E de facto parou na paragem combinada.

Coisa é certa. Passei a primeira prova nesta deambulação por Luanda. A próxima viagem irei sozinho. Chega de mordomias e já sou crescido. Convém é levar dinheiro trocado. Enganos no troco esporadicamente acontecem a estrangeiros. Mas na verdade estamos a falar de cêntimos de Euro. Talvez ajudem muitas famílias que passam sérias dificuldades.

Passar uma tarde em Cacuaco

Mesmo sem o velho calção de banho,
Ligeira brisa a voar,
Barcos sem tamanho
Que tocam num avião no ar

Areia é limpa e suave
Vindo o peixe falar comigo
Pregão de venda ao longe se ouve
Esposa já vou ter contigo.

Apanho o barco do fim da tarde
Onde a noite espreita o luar
Que às vezes dá luz que me arde
Nesta saudade que nos liga pelo mar.

Cacuaco, 19 de Dezembro de 2020

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«No trilho das minhas memórias», crónica de António José Alçada

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1 Comentário

  1. Avatar Alex Responder
    Segunda-feira, 1 Fevereiro, 2021 às 21:04

    Giro. Gostei 👏👏

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