Ficando a elevada altitude na serra da Malcata, com a Estrela por perto, Quadrazais e a região do Sabugal recebiam por vezes a neve que tudo embranquecia. Com ela os miúdos faziam bolas, que atiravam uns aos outros. Os samancos eram o meio de locomoção, mostrando cada qual a galhada mais alta. Habilidade no andar dava lugar a competições.

A neve dava lugar muitas vezes ao granizo ou à chuva. Quando fazia sol e caia neve ao mesmo tempo, as pessoas diziam…
Está a chover e a nevar
E a raposa está a lavar
Seus lençóis e cueirinhos
Para amanhã se casar.
O espectacular arco da velha aparecia no céu como para abençoar este casamento.
Os frios com ruças (geadas) nos quintais que coziam as tronchudas couves, gelo nos charcos, códão nos terrenos e pildricos nos telhados eram frequentes no Inverno. Os sapatos eram substituídos por tamancos ferrados e com brochas para agarrar melhor ao chão e não escorregar no gelo.
Frequentes eram também os ventos e chuvadas e, no Verão, as trovoadas. Os ventos zumbiam pelas frestas do telhado e das paredes mal rebocadas das casas, com tal força que metiam medo. Por estar perto do Côa, viam-se muitas manhãs de nubrina (neblina) e nevoeiro. Levantavam à medida que o sol ia aquecendo. Daí o ditado: Dia de nevoeiro, dia de sólheiro (soalheiro).
Apesar do frio, apenas mitigado por uma lareira bem farta, era um espectáculo admirável ver a neve cair ou cólhar no chão, deixando a paisagem toda branca. Não menor espectáculo era ver os pildricos dependurados dos telhados como fios, transformada que era em gelo a chuva que escorria antes de chegar ao chão. Não faltavam espelhos nas ruas, onde os charcos gelavam, sendo perigoso ver-se neles, ou a água dos caldeiros transformada em redondos blocos de gelo. Difícil era arrancar as castanhas das terras transformadas em códão. Como difícil era lavar a cara com a água gelada, ou receber o vento gelado a bater-nos na cara, gretando-a.
Pobres mãos e orelhas que mal as sentíamos na ida à escola, mau grado os luvetes e as boinas!
E o pingo a cair do nariz! E o catarro à espreita com tosse de cão!
A própria escaleira, onde a chuva deixara algumas gotas, era um perigo, pois eram frequentes as escorregadelas com os consequentes braços ou pernas partidos.
O tempo foi mudando, cada vez com menos neve. Este ano, porém, o frio a sério voltou e com ele a neve e tudo o mais que atrás relatei.
Apesar do muito frio, não deixo de ter saudades desses espectáculos. Por isso, vou lembrá-los em verso…
Não vejo nada em frente,
Tua casa não enxergo.
Que se passa? Só cinzento,
Não chove, mas nevoento,
Gotas caem sobre a gente.
Bom dia de nevoeiro,
Bom dia de soalheiro,
Diz o povo e com razão.
É agora céu limpinho.
A ant’rior escuridão.
Mas atrás de nevoeiro
Vem a chuva irritante.
Porém, sem ela o lameiro
Não dá erva, nem o pão
Nasce logo num instante.
Corram em boa carreira,
Ribeiros, rios formando.
Água ao mar irá parar.
Ninguém a vai segurando
Nalgum poço ou albufeira.
Esbarrocou o caminho,
Destruiu as sementeiras.
Mas água deu ao burrinho,
A muitos gados e gentes
Com sede Já descontentes.
Que grande ruça, Deus meu,
Cobriu todo o meu quintal!
Deve ter vindo do céu.
As couves estão cozidas!
Vamos reparar o mal.
Vem depressa à janela
Ver o tão raro fenómeno.
Pedras caem lá de cima
Como a neve branquinhas
Duras, formando grã pilhas.
Estragaram-me as cerejas,
Partiram-me os rebentos
Das vides e castanheiros.
Tive de ir ao vidreiro.
É uma coisa que se veja!
Menino, vem ver à porta
Chão todo feito lençol.
Quem terá coberto a terra
Deste pó que até mãos corta?
Que lindo de ver ao sol!
Chilreiam no cabanal
Passarinhos aos montões
Por sobre a palha inda seca.
Venha o sol que os aqueça.
Não penses fazer-lhes mal!
É a neve. Oh, que linda!
Meninos atiram bolas
Feitas dela para a luta.
Nela até mesmo rebolam
Como em boa palha enxuta.
Tossindo, com as mãos frias,
Entram em casa pr’ó lume.
As mães lhes estão pedindo
Que mudem de roupa já.
Cuidado co’as pneumonias!
Sem licença em casa entrou,
Que não sei se lha dariam.
Colchões e cozinha molhou
Que a mãe terá de enxugar
Pr’ós poder utilizar.
Já desponta o lindo sol
Que raposa irá casar,
Após lavar o lençol.
Vem depressa, Arco da Velha,
Para tudo abençoar.
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