Tirar a Janeira começava logo no Dia de Ano Novo e continuava pelos Domingos de Janeiro. À noite, sob o luar de Janeiro, saíam os rapazes solteiros a visitar as casas acompanhados da concertina e levando um cesto para as dádivas, perguntando à porta: Quer que cante ou que reze?

Evitavam as casas enlutadas e, assim, evitavam as rezas. Cantavam quadras adequadas, como:
Levante-se daí, senhora,
Desse banco de cortiça.
Venha-nos dar a janeira,
Ou morcela ou chóriça.
Refrão
Viva a estrelinha do Oriente,
Dai-lhes luz e salvação,
Que os senhores desta casa
São de boa geração.
E seguiam para outra e outra casa. Se já tinham feito matança, os moradores davam-lhes uma chóriça. Se não, davam-lhes dinheiro. Tudo serviria para a borga na taberna, regada com abundante vinho. Tão abundante que, não raro, a borga acabava em zaragata.
Os miúdos também usavam tirar a janeira à tardinha. Costumavam receber uns cinco tostões em cada casa. O suficiente para comprarem umas guloseimas e uns pirolitos.
Era, pois, mais um costume ancestral, com o seu cunho de amizade, que merece a minha atenção em dedicar-lhe umas estrofes.
A Janeira
Soa já a concertina,
Já a rapaziada vem
Cantando suas cantigas
Que as gentes recebem bem.
Frum, frum, frum, é a rotina.
Podemos cantar, senhores,
Ou preferem que rezemos
Por alma de quem lá têm?
Será melhor que cantemos,
Que tristezas logo vêm.
Os donos abrem a porta
Para ver quem os visita.
Se lhes agrada, que cantem,
Se irritados por maldita,
Tudo é simples letra morta.
Uma chóriça na mão
Trazem para of’recer.
Alguns só morcela dão
Pois que a chóriça, até ver,
Foi guardada pr’ó patrão.
Entra, chóriça, no cesto,
Junta-te às outras aí.
Espera que venham mais
Ainda juntar-se a ti.
Veremos qual é o resto.
Ó senhores desta casa,
Levantem-se já depressa.
Venham-nos dar a janeira
Que este frio não tem meça.
A nós é a vez primeira.
Aqueles estão de luto,
Que lhes morreu pai ou mãe.
Não lhes batamos à porta,
Basta a tristeza que têm,
Que suportam com grã custo.
P’ró ano voltaremos
P’ra sorte lhes desejar.
Uma chóriça esperemos
Que os senhores possam dar.
Um Bom Ano é o que queremos.
Já são horas, ó rapazes,
Com bom vinho e sem riscos,
Vamos lá para a taberna
Provar estes bons petiscos.
Que todos façam as pazes.
Nota: Em Quadrazais usam a palavra janeira no singular, ao contrário doutras terras onde é usada no plural. Também dizem chóriça (chouriça) no feminino, quando noutras terras dizem chouriço no masculino
:: ::
«Lembrando o que é nosso», por Franklim Costa Braga
Leave a Reply