Este é o último dia de um ano difícil. Atordoado por algarismos e gráficos bombardeados dia e noite pelos canais televisivos, desde o já longínquo mês de Março que me habituei a tatear, mais do que a viver, as estações do ano que, uma após uma, entretanto foram passando.

Nesta espécie de exílio a que desde então me vi forçado, fui-me conformando com a ideia de ter de continuar a lidar, sem alternativa possível, com as incontornáveis neblinas e as chuvas intermitentes deste lugar, em dias cor da noite onde o sol misantropo e indeciso teima em esconder-se, o tempo todo, por detrás das nuvens cor de chumbo deste céu tão baixo do coração da Europa.
Resiliente, fui suportando, mês após mês, a saudade da terra-mãe, na dureza incalculável que é viver longe dela, passando os dias num remake repetitivo e monótono de rituais ajustados a novos mandamentos que me obrigam a respeitar a distância física dos outros seres humanos, a usar máscaras no rosto com supostos poderes taumaturgos, a cumprir a etiqueta respiratória e a permanente e fastidiosa higienização das mãos, a suportar, enfim, restrições e proibições de toda a ordem, com a polícia à perna a vigiar horários, deslocações, ajuntamentos e identidades…
Uma eternidade depois, continuo hoje convencido de que este remake ainda está para durar e que grande parte da humanidade vai continuar a ter de conviver com a incerteza por algum tempo mais e sem calendário fixo.
Mas o Natal devolveu-nos a esperança. Finalmente, chegaram as vacinas contra a pandemia.
Esta é, porventura, a maior de todas as conquistas do nosso tempo. Por um lado, investigadores do mundo inteiro uniram-se para descobrir vacinas eficazes, seguras e rápidas capazes de por termo ao flagelo do Covid-19.
Conseguiram trabalhar, testar e documentar tudo o que para o efeito era necessário, em tempo record, num esforço hercúleo que irá ficar gravado a letras de ouro na história da Humanidade como um feito sem precedentes.
Por outro lado, é de elementar justiça saudar a pronta e eficaz atuação da União Europeia que tomou a iniciativa de contratar, financiar e distribuir equitativamente as vacinas pelos seus Estados-membros, num curtíssimo espaço de tempo.
A União Europeia fez a sua parte e alertou, em devido tempo, os governos nacionais para a necessidade de programarem as respetivas estratégias da vacinação. Agora, compete aos governos e às autoridades sanitárias que deles dependem proceder à execução competente, e em tempo utll, dos respetivos planos de vacinação.
Entretanto, há que ter em conta que os efeitos da vacina ainda vão demorar. Só depois de terminar a primeira fase da vacinação (em Portugal lá para o mês de Abril, se tudo correr bem) é que se prevê que começe a tornar-se visível o seu impacto na redução dos contágios, dos internamentos nos cuidados intensivos e das vítimas da pandemia.
No que me diz respeito, espero pacientemente que chegue a minha vez para me poder vacinar, mas não escondo o alívio que sinto por poder aspirar a ter, tão breve quanto possível, o meu lugar na fila de espera. Há quem prefira aguardar para ver o que acontece, interrogando-se sobre o grau de eficácia e os eventuais efeitos secundários destas vacinas, mas estou claramente ao lado dos que decidiram avançar porque confiam nos cientistas que estudaram, investigaram e chegaram a um medicamento contra a doença do coronavirus.
Tendo em conta as gravíssimas consequências sanitárias, económicas e sociais desencadeadas pela propagação da pandemia, no Mundo, na Europa e no País, não podia, por isso, haver melhor prenda de Natal, nem melhor motivo de esperança, para todos nós.
Continuo, é certo, sem saber quando poderei regressar a Portugal. Irei nos primeiros meses do ano, na Primavera, no Verão?
Mas, pelo sim pelo não, a mala de viagem continua à minha espera no quartinho de arrumações, debaixo do vão da escada.
Excelente Ano Novo a todos os leitores!
Bruxelas, 31 de Dezembro de 2020
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«Portugal e o Futuro», opinião de Aurélio Crespo
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