A Pepa pusera o xale pardo de lã, gasto e já meio esburacado, sobre a saca de sarapilheira do contrabando. O Diamantino esperava por ela entre umas moitas de carqueja que ladeavam o carreiro junto do moinho do nosso Toino, lá para o Prado Castelhano. Era o último acarreto antes do Natal, ia ela pensando pelo caminho.

Tinha tanta vergonha quando os carabineiros a faziam dançar o vira com aquele olhar cobiçoso que tanto a aterrorizava! Ou quando os guardas lhe arrancavam o xale como se a quisessem desnudar em público. Ela sabia bem demais o que aqueles olhares eram pecaminosos e cruéis! A ti Petra, sua avó, dizia-lhe amiúde… «A pior coisa de uma mulher pobre é ser linda como tu, minha neta!»
Hoje, mais que nunca, recordava as palavras da sua avó! Se ela fosse cabeça de vento, estaria carregada de filhos em troca de míseras pesetas poupadas no contrabando. Mas isso nunca iria acontecer.
Nem dera conta que já chegara perto do moinho. Lá estava o Tino à espera de lhe fazer «caraba».
Vestia calças de pana ainda «nobezinhas», uma velha samarra sobre o taleigo e, na cabeça, a boina basca que nunca largava, quer fosse Inverno ou Verão.
– Ai mãe!, Pepa! Cada vez estás mais bonita, moçoila!… Este trabalho não é para ti, rapariga! Sabes o que eu queria que o Menino Jesus me desse?
– Não, o que era?!
– Que o Ti Mostajeiro me arranjasse carta de chamada para França! Ganhar dinheiro honesto com o meu trabalho sem andar sempre «consumidinho» e com medo! Não tenho vergonha de te dizer que tenho medo! As chibatadas que eu já levei por deixar perder o carreto! E nem ganho para pôr pão em casa dos meus pais, quanto mais em pensar formar uma família!…
– Vinha pelo caminho a pensar no mesmo!… Desde que «se matou» (morreu) a minha avó que não penso noutra coisa senão abalar desta vida! Mas que trabalho haverá para mim que valha dinheiro?
– Pois baia! Aí é que tu te enganas, rapariga! Dizem que por lá, as criadas de servir são respeitadas e bem pagas.
– Será que o Menino Jesus se vai lembrar de nós?
Tão entretidos iam que nem deram pelo vulto que se aproximava. Já não dava tempo a fugir!
– Ai mem, home! Que susto! É vossemecê, Ti Lei?!
– Olá, Tino e Pepa! Quando botam fora essa carga de trabalhos? Porque não dão o salto para França?
– Bem que queríamos, mas como?
– Se ambos fossem casados eu arranjava-vos trabalho numa quinta em Charoles! Tu, Toino ajudavas na lavoira e a Pepa fazia os queijos, tratava da cozinha e do que fosse preciso para dentro de portas.
– Então e solteiros não pode ser?
– É que só há uma casa para os caseiros!
– Óh! Pepa queres ser minha «nobia»? Casamo-nos no dia de Natal, – perguntou entusiasmado o Tino.
– Isso é que é falar! – alegrou-se o Ti Lei.
– E como assim?! Quem nos pagava a viagem? Como íamos para tão longe sem termos nada de nosso?
– Deixem para lá, seria a minha prenda de Natal!…
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«Gentes e lugares do meu antanho», crónica de Georgina Ferro
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