A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen e o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson concluiram, na véspera do Natal, as negociações de um acordo de comércio livre que irá regular as relações económicas e as trocas comerciais entre a União Europeia e o Reino Unido, a partir de 1 de Janeiro de 2021.
![Brexit - Reino Unido sai da União Europeia a 1 de Janeiro de 2021 - capeiaarraiana.pt](https://i0.wp.com/capeiaarraiana.pt/wp-content/uploads/2021/01/aureliocrespo_20201228_brexit_800x600_01.jpg?resize=768%2C576&ssl=1)
O acordo de cerca de 2000 páginas, entre a União Europeia e o Reino Unido, entrará em vigor nessa data, mas a título provisório, uma vez que vai ser, entretanto, submetido à aprovação do Conselho da União Europeia, bem como à ratificação pelo Parlamento Europeu, pelo Parlamento britânico e pelos Parlamentos nacionais dos Estados-Membros.
Este acordo foi recebido com alívio, tanto pelo Reino Unido como pela UE, tendo particularmente em consideração a grave crise do Covid-19 e as variantes deste vírus que, nos últimos dias, desencadearam uma situação de verdadeiro caos nos aeroportos e no porto de Dover que dá acesso ao Canal da Mancha causado pelo fechamento das fronteiras com o continente e que impediu a livre circulação de pessoas e bens, entre o Reino Unido e os países da União Europeia.
Com este acordo, o Reino Unido sai do Mercado Único, mas a União Europeia oferece-lhe um acesso inédito ao seu imenso mercado de 450 milhões de consumidores. As empresas britânicas passarão a exportar para os Estados-membros da UE os seus produtos sem pagamento de direitos aduaneiros e sem quotas nas trocas comerciais, mas, em contrapartida, obrigam-se a respeitar a evolução no tempo de um vasto conjunto de normas europeias.
De facto, o referido acesso ao mercado da UE fica sujeito ao cumprimento de condições estritas. As empresas britânicas deverão passar a cumprir um número significativo de regras da União, designadamente em matéria de ambiente, de direito do trabalho, de fiscalidade. E em matéria de ajudas de Estado às empresas, o governo britânico obriga-se a não fazer uso do dumping social e fiscal e a assegurar uma concorrência justa das empresas do Reino Unido com as empresas dos Estados-membros da UE. Para tanto, encontra-se previsto no acordo um mecanismo que permitirá às duas partes ativar rapidamente contra-medidas, designadamente o pagamento de direitos aduaneiros, em caso de divergências sobre a aplicação das referidas normas.
Por outro lado, se o acordo garante a isenção de direitos aduaneiros e a isenção de quotas que limitem o número de produtos que podem entrar sem pagamento de direitos alfandegários na UE, o Reino Unido passará a ser considerado como um país terceiro, no que respeita às regras fito-sanitárias, devendo, em consequência, estes produtos passar a ser controlados na fronteira.
Acresce que o acordo não inclui os serviços financeiros, que, como se sabe, constitui para a City de Londres um dos maiores desafios dos britânicos.
Neste ponto, a Comissão Europeia atuará em relação ao Reino Unido, à semelhança do que faz com qualquer outro país terceiro, podendo decidir unilateralmente a atribuição das decisões de equivalência, indústria por indústria (seguros, serviços bancários…) apenas quando considerar que a regulamentação financeira britânica é equivalente à da UE.
Existem, contudo, alguns aspetos do acordo que se afiguram problemáticos.
Um deles tem a ver com o setor das pescas por parte dos navios dos Estados-membros da UE em águas britânicas. Apesar do seu baixo peso económico (cerca de 650 milhões de euros, em cada ano), este ponto constituiu o último obstáculo das longas discussões entre as partes, por força da importância política e social do setor das pescas em vários Estados da UE, nomeadamente, a França, Países Baixos, Dinamarca e Irlanda. Por seu turno, os britânicos fizeram questão de transformar este ponto num autêntico simbolo da sua desejada soberania. O acordo encontrado prevê um período de cinco anos e meio (até Junho de 2026) a partir do qual os pescadores da UE renunciarão a 25% das capturas e não a 80% como defendia o Reino Unido. O acesso às águas britânicas será, em seguida, negociado anualmente.
Outra questão problemática diz respeito às condições de permanência e de mobilidade dos cidadãos europeus no Reino Unido. A partir de 1 de Janeiro de 2021, a situação será diferente entre os atualmente residentes (que não deverão ver afetados os seus direitos) e os que, depois dessa data, queiram estabelecer-se nesse país, ficando estes últimos dependentes da decisão unilateral das autoridades britânicas.
Acresce que o Reino Unido não irá doravante participar no programa comunitário da troca de estudantes Erasmus, o que não deixará de afetar os estudantes da UE que desejassem fazer esta experiência nesse país.
Dito isto, caberá perguntar se o acordo comercial em causa é ou não favorável para a UE. Antes de mais, importa assinalar que, sem um acordo conseguido antes de 1 de Janeiro de 2021, as trocas entre a UE e Londres passariam , a partir dessa data, obrigatoriamente a ser regidas pelas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), ou seja, ficariam sujeitas a direitos alfandegários, a quotas, bem como a todo um conjunto de formalidades administrativas susceptíveis de causar engarrafamentos monstros e atrasos de monta nos transportes e na entrega das mercadorias. Um cenário negro que poderia fazer reproduzir até certo ponto aquele que foi vivido, nos últimos dias, por força da variante mais virulenta do coronavirus surgida no territónio britânico e que, como se disse, isolou o Reino Unido do resto da Europa.
Ora, um cenário como este seria extremamente negativo para o Reino Unido, país fortemente dependente do aprovisionamento de produtos alimentares provenientes da UE. Mas também, embora em menor grau, para a União Europeia. Com efeito, o Reino Unido exporta 47% dos seus produtos para os países da União, enquanto que esta exporta apenas 8% das suas mercadorias para o outro lado da Mancha. Deste modo, o presente acordo permite evitar um «no deal» que teria graves consequências económicas para ambas as partes.
Por outro lado, ao fim de dois anos e meio de árduas e intensas negociações, com avanços e recuos da parte britânica, o texto do acordo vai dar garantias de segurança jurídica aos expatriados dos dois lados da Mancha e salvaguardar a paz na ilha da Irlanda. De facto, não foi por acaso que o primeiro-ministro irlandês Micheal Martin foi um dos primeiros dirigentes da UE a saudar a conclusão deste acordo.
Concluido o acordo comercial, os protagonistas adoptaram um estilo diferente.
Boris Johnson falando para o eleitorado britânico através dos media fez questão de enaltecer aquilo que considerou como a recuperação da soberania britânica dos velhos tempos, num discurso que não agradou certamente à metade do país que se opôs e continua a opôr-se ao Brexit, às gerações mais jovens e aos cidadãos dos grandes meios urbanos, mas em particular à Escócia que tinha votado maioritariamente (62%) contra a saída da UE. De facto, mal soube do acordo, a primeira-ministra Nicola Sturgeon declarou que «o Brexit chega contra a vontade do povo escocês» e que «nenhum acordo poderá jamais compensar o que o Brexit nous retira. É tempo de de a Escócia se tornar uma nação independente. É tempo de traçar o nosso próprio destino como nação independente europeia…».
Por sua vez, Ursula Von der Leyen, adotou um discurso sereno e realista, lamentando a saída do Reino Unido da UE, mas afirmando que o acordo comercial concluido entre as partes é justo e equilibrado e que permite que Reino Unido e União Europeia continuem a ser parceiros e amigos no pós-Brexit. Opinião, aliás partilhada no final da referida declaração do primeiro-ministro britânico aos media que prometeu que o seu país continuará a ser o «amigo e o aliado dos europeus» e «continuará culturalmente, emocionalmente, historicamente, estratégicamente e no plano geopolítico ligado à Europa…».
Em suma, em vez de um divórcio litigioso, ambas as partes optaram por uma separação amigável. Até quando? O futuro o dirá.
Bruxelas, 26 de Dezembro de 2020
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«Portugal e o Futuro», opinião de Aurélio Crespo
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Julho de 2020.)
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